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"No mito grego, Narciso via seu rosto refletido na águas e ficava
hipnotizado por sua própria beleza e perfeição" |
Para quem já se fez a pergunta ou busca maiores conhecimentos sobre o tema, vale a pena ler a tese de mestrado - "
Estudo do Mito das Estrelas no Imaginário do Espectador
Feminino" de Miila Derzett (PUCRS 2001) publicado
no livro SOCINE.
A partir do estudo de
caso em Lara Croft, personagem do filme Tomb Rider, a Comunicação Persuasiva
não será objeto de estudo por si mesma, mas se fará presente a partir do viés
das Teorias de Lacan e Freud, analisadas nas imagens estereotipadas, através
dos signos que influenciam subliminarmente e psicologicamente a recepção. Os
conceitos de Narcisismo, Culto da Aparência e Mito das Estrelas são,
respectivamente, explorados pelos autores Christopher Lash, Joan Ferrés e Edgar
Morin.
Agindo no contexto da
análise, dá-se destaque a teoria das duas grandes vias da comunicação
persuasiva de Ferrès. “E é a concepção ingênua sobre entretenimento por parte
da maioria das pessoas que os faz particularmente vulneráveis" e o que
transforma o entretenimento no sistema de socialização, intencional ou não, mas
eficaz.” (Ferrès, 1996)
A PERSONAGEM DOS
GAMES VAI AO CINEMA
Lara Croft, a
protagonista de “Tomb Raider” (criada em 1996 para jogos de vídeo Games), é uma
arqueóloga que se transformou num dos mais familiares ícones da indústria
contemporânea de jogos e que, de acordo com Henry Junkins (From Barbie to
Mortal Kombat, 1998), distribuiu não somente seqüelas nos jogos de vídeo games,
mas também nos filmes e seriados. “Uma mulher que é musculosa, faz acrobacias e
se garante em todos os tipos imagináveis de cenas perigosas”. O seu criador,
Toby Gard diz que “Lara foi desenhada para ser uma durona, confiante em si
própria, uma mulher inteligente. Ela ignora todos os clichês sexuais pelo fato
de que é uma figura inacreditável”. De acordo com Junkins, Lara Croft pode ser
definida como uma mulher forte e independente, o que se definiria como as
fantasias perfeitas das meninas – “o intocável é sempre o maior desejo”, comenta
Gard. Ele diz que pensou em criar qualidades que satisfizessem tanto meninas,
num tipo de modelo para os jogos e uma figura sexualmente atrativa para o
mercado dos meninos. Uma empresária de softwares pergunta : “Tomb Raider teria
vendido tantas cópias se Lara estivesse vestindo um blusão e calças
compridas?”. Em outras análises ainda se discute que Lara Croft existe não para
dar poder as mulheres, mas para permitir que os homens tenham a experiência do
que é ser frágil e não ter o mesmo desempenho masculino. Outra pergunta seria
se não poderiam ter sido criadas personagens femininas, como Lara, sem a
exploração dos interesses adolescentes como seios e bundas.

1.1 Lara Croft no
cinema - Depois de meses entre diferentes roteiristas e diretores, a produtora
Eidos conseguiu fechar acordo coma Paramount com o projeto de levar uma heroína
dos jogos às telas de cinema, e iniciar as gravações de Tomb Raider. Angelina
Jolie encarna de corpo e alma o papel da protagonista Lara Croft, depois de
cinco meses de treinamento pesado e aulas de acrobacia, boxe. Na revista SET
(julho, 2001), a atriz revela dados interessantes numa entrevista. O repórter
Roberto Saidowski pergunta se “Lara Croft representaria uma nova geração de
mulheres, as mulheres do novo século”. Angelina diz que gosta de pensar que
sim. “ Para mim, com certeza. Estou cada vez mais parecida com ela. Ainda sou
jovem, quero viajar mais, conhecer mais lugares, ter mais cultura. Também gosto
e estar em forma, de ser saudável. São ótimas qualidades para uma mulher...”
Acredita-se aqui que Angelina não entendeu que a pergunta também se referia as
aspecto da aparência de Lara...
Ele segue: “Por outro
lado, você não acha estranho que uma personagem de vídeo Games criada por
homens, seja um modelo para mulheres?” Ela responde: ”Na verdade, não. Acho que
a heroína dos jogos foi criada por homens, mas mulher que você vê no filme foi
criada por uma outra mulher. Esse equilíbrio a faz especial. Não acredito que a
personagem do jogo seja uma modelo, mas no filme a fizemos mais forte, com mais
personalidade”. Angelina novamente não cita sua opinião quanto ao modelo de
corpo, que se destaca tanto nas imagens dos jogos quanto no filme. Esta seria
uma idéia de uma atriz, que está do outro lado da nossa discussão, e, portanto,
se concordasse com nossas análises, não seria uma atriz de fato, ou não toparia
fazer parte do jogo, literalmente.
1.2 O peso da imagem
“Quando se fala em
peso e imagem do corpo, as maiorias das mulheres se sentem inseguras. Me mostre
uma mulher satisfeita com o tamanho de seus peitos que mostrarei uma raridade.
A maioria da culpa por isso vem sendo pressionada pelo modelo apresentado pelos
meios de comunicação – modelos super magras que vivem num mundo de cigarros e
café, atrizes que tem seus próprios personal trainers e tempo para malhar
durante 4 horas por dia, ir a massagistas e passar o resto do tempo entre
cirurgiões e estéticas. Este não é o modelo real para as mulheres que trabalham
8 horas ou mais por dia e tem crianças para cuidar, e ainda se sentem
pressionadas a se parecerem com “elas”." (Cal Jones – Editora do PC games)
A má notícia é que o
modelo perfeito de mulheres sonhadas pela maioria e imposta por outra grande
parte é bem diferente da realidade “real” feminina. Ela não é nenhum modelo
verdadeiro ou uma estrela de cinema – ela não é nem ao menos real. Este
problema vem em forma de seios bem siliconados – Lara Croft.
Parece aqui que o
problema com Lara Croft é que ela foi criada por um homem, para homens. Lara
tem coxas finas e musculosas, pernas longas, uma cintura que se pode enlaçar
com as mãos e joelhos perfeitos. Mostre este desenho para qualquer garoto e
normalmente ele irá encontrar qualidades sexuais nela, ao invés de apenas
querer “jogar” com ela. Cal Jones segue:
“Mais do que isso,
esta mulher não poderia ter seios tão grandes (que até Angelina Jolie recusou
implantar – ao invés, disso, usou um sutiã adaptado). Como toda mulher sabe,
peitos são compostos basicamente por tecido gorduroso e um dos males das dietas
é que seus peitos diminuem antes do seu bumbum. (Toda mulher que é magra e
parece ter seios fartos a) colocou um implante b) está usando um sutiã com
enchimento”. Claro que o criador preferiu compor uma mulher que satisfizesse
ambos os sexos. O problema é que Lara, assim como grandes figuras moldadas,
fazem nos sentir inadequadas. Não somente por suas formas, mas também por sua
força, que nem a maioria dos homens seria capaz de ter. Lara pode não somente
levantar o peso do seu corpo com as mãos como também fazer parada de mão com
uma só mão...”
Você pode estar
questionando porque um personagem de vídeo games e filme como Croft poderia
ameaçar as mulheres. Claro que somos sensíveis e racionais o bastante para não
levá-la a sério, mas o mesmo não pode ser dita sobre a impressão de crianças e
adolescentes. Sabemos que a maioria dos jovens em fase de descobertas sexuais
têm suas primeiras visões da anatomia feminina através dos de revistas, vídeos
e hoje também na televisão, e crescem acreditando que as mulheres são, na
realidade, assim tão proporcionais e perfeitas. Agora, graças a Lara, também
passarão a imaginar que somos fortes, ágeis, ginastas com resistência
suficiente para chutar postes e correr dezenas de maratonas seguidas. E se não
for assim, eles irão se frustrar.
AS ANALOGIAS
2.1 Discurso de Lacan
- A Teoria Especular
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Concurso de Miss Infantil |
Lacan defende a idéia de que desde criança damos uma
importância privilegiada ao espelho. Logo no começo da identificação pelo
espelho, a criança, de acordo com Lacan, reage como se a imagem apresentada
pelo espelho fosse uma realidade. Mais adiante, a criança passaria então a
reconhecer esse outro como sendo sua própria imagem, tratando-se aqui de um
processo de identificação. “É uma identificação dual (Para Compreender Lacan -
Jean-Baptiste Fages, 1971), reduzida a dois termos, o corpo da criança e sua
imagem. É imediata e narcísica”. Fages acredita que este seria a presença de um
dos primeiros dramas da existência - a constituição do eu.
Joan Ferrès (Joan
Ferrès, Televisão e Educação, 1996) acredita que a televisão ou o cinema agem
como espelho. “A preferência dos
telespectadores provém tanto de um
exercício de sua inteligência como de seus sentimentos. Quando ele avalia um
programa, avalia a si mesmo.” Qual seria o efeito, tanto das versões de Lara
Croft em vídeo games quanto na versão do filme para adolescentes e mulheres
adultas?
Além de a teoria
especular de Lacan, diversas outras teorias surgem para explicar os efeitos da
imagem do cinema no imaginário do espectador.
2.2 O Narcisismo de
Lash
Christopher Lash (O
mínimo Eu; 1984) diz que na vida moderna a individualidade transforma-se numa
espécie de bem de luxo. Ele acredita que no mundo contemporâneo o narcisismo
pode ser definido como o auto-interesse, o egoísmo e a indiferença ao bem
comum. O mínimo eu ou narcisista e um eu inseguro de seus próprios limites que
almeja reconstruir o mundo a sua própria imagem. Lash acredita que a
substituição de um mundo confiável de objetos duráveis por um mundo de imagens
oscilantes que torna cada vez mais difícil a distinção entre a realidade e a
fantasia. Aqui o narcisismo aparece não somente como auto interesse ou ao
egoísmo, mas ao desejo feminino de união com o mundo. O público feminino que se
depara com os contornos ditos como “o essencial”, de acordo com as exigências
da maioria dos homens, desperta tanto uma necessidade de busca por aquele
objetivo visto na imagem, quanto por uma ansiedade por consumir aquele objeto
de desejo, mesmo ele se tratando do corpo como uma mercadoria. As mulheres
modernas então estariam aptas a ignorar as necessidades primárias humanas em
busca destas outras realizações. Seria um modo de agir egoísta, preocupado
somente com o bem individual, efeitos colaterais do capitalismo moderno. Assim
sendo as imagens do cinema algo próximo do real, e de um real espetacular,
prazeroso, perfeito, o ser humano feminino passaria a almejar aquela realidade
tentando, a qualquer custo, criar um mundo real a partir daquela fantasia. E ,
dentro do estudo do filme Tomb Raider, mais uma vez jovens adolescentes do sexo
masculino estariam tendo uma demonstração completamente impossível de ser
trazida a realidade por quase que 90% das meninas. Conseqüentemente, estas
adolescentes se frustram por não poder exibir formas que se destaquem na vida
real como acontece nas imagens de tv e cinema.
Para Lash, a origem
dos consumismos estaria nas diversas frustrações e derrotas digeridas pelos EUA
desde a Guerra do Vietnã. A tecnologia americana deixou de ser a mais avançada,
as falhas na economia e o fracasso da política externa parece ter refletido num
fracasso moral mais profundo, numa crise cultural de alguma forma associada com
o colapso dos valores tradicionais e a emergência de uma nova forma de
auto-gratificação. Em julho de 1979, o
presidente Carter atribuiu o mal da nação ao espírito egoísta e a busca de
“coisas”. Num estudo sobre a indústria automobilística feita por Emma Rothschild,
mostrou que as inovações promovidas por Alfred Sloan nas técnicas de marketing
- a compra do modelo do ano, o constante aperfeiçoamento dos produtos, os
esforços para associá-los ao status social, a inculcação deliberada de um
apetite ilimitado por mudanças, fazendo com que o indivíduo desacreditasse em
seu próprio julgamento, mesmo em matéria de gostos pessoais ( e acreditar no
que a indústria propõe).
Lara é realmente uma
mulher extraordinária, mas não real. Foi constituída como um quebra cabeças de
partes satisfatórias de um corpo feminino. Das exigências gerais do universo
masculino ela foi digitalizada. Como se explicaria então esta forte tendência
dos meios de comunicação, no caso, o cinema, de propor fantasias para aquietar
outras fantasias e que acabam virando uma utopia para uma realidade de ambos os
sexos?
Para Lash, o efeito
psicológico do consumismo está no exercício repetido da auto vigilância
constrangida, da submissão ao julgamento dos especialistas, da descrença em sua
própria capacidade de tomar decisões inteligentes, falseando a percepção das
pessoas tanto em relação a elas mesmas como ao mundo que as rodeia. Como se
cada um de nós só valêssemos a opinião alheia e como se essas opiniões fossem
capazes de comandar nossas diferentes maneiras de ser fisicamente, de se
vestir, de ter. Esse mesmo efeito estimula, de acordo com Lash, um novo tipo de
autoconsciência que tem pouco a ver com a instropecção ou a vaidade. Tanto como
trabalhador ou como consumidor, o indivíduo não apenas aprende a avaliar-se
face aos outros mas a ver a si próprio através dos olhos alheios; aprende que a
auto imagem projetada conta mais que a experiência e as habilidades adquiridas.
Ele adota uma visão teatral de sua própria performance, numa sociedade que se
baseia na produção de massa e no consumo de massa, estimulam uma atenção sem
precedentes nas imagens e impressões superficiais. Quando as pessoas reclamam
por se sentiram inautenticas ou se rebelam contra o “desempenho de papéis”, dão
testemunho da pressão predominante no sentido de que vejam com os olhos dos
outros e moldem o eu como mais uma mercadoria disponível para o consumo no
mercado aberto.
A produção de mercadorias
e o consumismo alteram as percepções não apenas do eu como do mundo exterior ao
eu; criam um mundo de espelhos, de imagens, de ilusões cada vez mais
indistinguíveis da realidade. O efeito especular faz do sujeito um objeto e ao
mesmo tempo transforma o mundo dos objetos numa extensão ou projeção do eu. O
consumidor vive rodeado não apenas por coisas, mas também por fantasias. No
filme Tomb Raider, a dinastia da mulher
forte e inatingível vai além das diretrizes corporais. Ela passa a ser também
musculosa, ágil, inacreditavelmente lutadora e segura de si mesma - o tempo
todo? Este seria um produto, um modelo de corpo e atitudes que são o que os
homens querem ou ao menos o que esperam das mulheres.
A cultura organizada
em torno do consumo de massa estimula o narcisismo - que podemos definir para o
momento, como a disposição de ver o mundo como um espelho, mais particularmente
como uma projeção dos nossos próprios medos e desejos - não porque torna as
pessoas gananciosas e agressivas, mas porque as torna frágeis e dependentes. A
cultura do consumismo está na venda, independente do meio, de uma necessidade
criada, de se obter o tão sonhado prazer e satisfação imediata, de encontrar
uma certa felicidade, mesmo que este custe caro. Também esta cultura corrói a
confiança na capacidade de entender e formar o mundo e de prover as suas
próprias necessidades. O que parece é que você não é mais dono de suas vontades
e opiniões. A mensagem é que é.
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Porque Elvis mesmo morto, não morreu? |
A cultura do consumo
parece propor uma troca: o que não é fantasia não é real. Ao invés do
contrário. O consumidor passa a conceber o mundo como uma espécie de extensão
do seio, gratificante ou frustradora; reluta em conceber o mundo a não ser em
conexão com suas fantasias. Em uma época de imagens e ideologia, entretanto, a
diferença entre realidade e fantasia torna-se cada vez mais ilusória. A idéia
de que você pode ser tudo que você quiser, passou a significar a possibilidade
de as identidades serem dotadas ou descartadas como se troca de roupa.
Mas nem todos os intelectuais
pensam de maneira crítica em relação ao cinema na psicologia humana. Clecak,
citado na obra de Lash, defende a idéia de que a maior parte das pessoas do
passado, levava uma vida difícil e infeliz. O industrialismo trouxe a gente
comum, pela primeira vez uma vasta expansão das oportunidades de satisfação
pessoal. Se eles exploram, estas oportunidades de maneira que ofende os
intelectuais, o que importa é o fato de terem o direito de escolha. Ele diz que
“os excessos deplorados tanto pelos intelectuais conservadores quanto pelos
radicais theories, são excessos de imaturidade e darão lugar no devido tempo a
alguma coisa melhor”. Quanto ao narcisismo e a cultura do egoísmo, eles podem
ser descartados como excessos, subprodutos inevitáveis, efeitos colaterais
incômodos do processo social e econômico. Uma visão extremamente ingênua dos
efeitos da imagem, quando já são comprovados por diversos estudos da
psicologia.
2.3 Freud e o sonho
Graeme Turner (Cinema como pratica social, 1992) diz que a
discussão sobre a relação entre o público e o que ele vê na tela
inevitavelmente nos leva a reexaminar aquilo que constitui a experiência de ir
ao cinema. A acusação de escapismo geralmente dirigida contra o cinema
provavelmente baseia-se na sensação de estar separado da realidade. Estamos
sentados no escuro, fazendo parte de um grupo de pessoas, mas separados delas
pelo fato de não serem facilmente visíveis; vemos imagens realistas que, no
entanto, são representações superdimensionadas do real; sentamos em poltronas confortáveis,
a atenção focalizada na tela e nada competindo com esta atenção. A avidez de
nossa atenção é inevitável: a estrutura física da sala de projeção indica em si
mesma o desejo do público de consumir sons e imagens que serão projetados na
sua frente. O fato de que a imagem do cinema se parece real e de que reagimos a
ela como se fosse, desperta discussão.
Vejamos então as
semelhanças entre ver um filme e uma condição que é o sonho. Os sonhos não
acontecem realmente, embora possamos experimentá-los como se acontecessem. Como
nos filmes, os sonhos têm a capacidade de expressar o pensamento por meio de
imagens; e também tendem para estruturas narrativas, com a impressão de serem
mais do que reais. Para Louis Baudry (1974) o escuro da sala de projeção, uma
relativa passividade do espectador e, com o efeito hipnótico das luzes e
sombras, acaba por imitar. De acordo com Baudry, o cinema, assim como o sonho é
regressivo, pois evoca o que Freud chama de princípio do prazer em detrimento
do princípio da realidade. Isso implicaria uma volta as teorias freudianas da
estrutura da personalidade, numa versão infantil imatura, do eu em que suas
necessidades e desejos (as forças que se escondem atrás do princípio do prazer)
dominam a personalidade as custas de considerações contextuais, éticas e
sociais. Se Freud sustentava que o desejo está localizado na brecha existente
entre o real e o imaginário, então o cinema ocupa essa brecha.
2.4 As estrelas de
Morin
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Loira, linda e Sexy |
A estrela de cinema
nasceu em 1910, por força da concorrência acirrada entre as primeiras empresas
cinematográficas americanas (Edgar Morin, As Estrelas: Mito e Sedução no
Cinema, 1989). De acordo com Morin, ela
se desenvolveu ao mesmo tempo em que a concentração de capital na indústria dos
filmes, e estas duas evoluções se aceleraram mutuamente. As grandes estrelas
tornaram-se apanágio e propriedade das grandes empresas, da mesma forma que se
tornariam apanágio e centro de gravidade dos grandes filmes. A constituição do
star system é mais um elemento desses desenvolvimentos que uma conseqüência
deles. Suas características internas são idênticas à do capitalismo industrial,
comercial e financeiro. O star system é fabricação – termo espontaneamente
fabricado por Carl Laemmle, o inventor das estrelas de cinema. “A fabricação
das estrelas é um fator primordial na indústria do filme”.
Morin fala do culto
pela estrela como uma necessidade de conhecimento fetichista: o peso de uma
determinada estrela, ou delas em geral, a comida predileta, a marca de suas
cuecas, a medida do peito são portadores de sua presença, dotados da concretude
e da objetividade do real na ausência do próprio real. Para explicar tais
observações, Morin observa que há um primeiro momento da evolução humana em que
o duplo corresponde a uma experiência concreta fundamental: entre os primitivos
e as crianças, a primeira visão, a primeira consciência de si é o exterior de
si. O “eu” é inicialmente um outro, um duplo revelado por sombras, reflexos,
espelhos.
Sobre os “mimetismos de associação”, Morin diz que são as
estrelas que conduzem nossos atos, gestos, pose, atitudes, desde o penteado até
vestuário. Os mimetismos são a princípio infinitos. Em seu notável
desenvolvimento, a indústria da beleza transmite e difunde os padrões modelados
pela estrela-padrão, que pode ser arquétipo global como também poder ser
particular, cada qual imitando a estrela com a qual se julga mais parecido.
Morin crê na existência, dentro da personalidade humana, do mito e da
realidade, quando cada um fabrica para si mesmo uma personalidade postiça, que
de certa forma é o oposto da personalidade real, mas também é o intermediário
através do qual se chega à verdadeira personalidade, que pode nascer tanto da
criação como da imitação. E é a estrela que dá o modelo dessa máscara e desse
disfarce.
Joan Ferrès vai mais
adiante. (Joan Ferrès, Televisão e Educação, 1996) Diz que é a gratificação
mental, derivada das fábulas e das fantasias, que satisfazem uma necessidade
básica. “A pessoas precisam dos mitos para viver, como precisamos do ar para
respirar.” Ele diz que a identificação se produz quando o espectador assume
emotivamente o ponto de vista de um personagem, ao considera-lo reflexo da sua
própria situação de vida ou de seus sonhos e ideais.
2.5 Ferrès, o culto
da aparência e as duas vias da comunicação persuasiva
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Narciso |
No mito grego,
Narciso via seu rosto refletido nas águas e ficava hipnotizado por sua própria
beleza e perfeição. A televisão é espelho porque projeta para o espectador uma
imagem idealizada de si mesmo e do mundo. (Ferrès, 1996)
“O problema de
Narciso era desconhecer o que se passava com ele. Se acabou morrendo diante da
água foi porque não tinha consciência de que a imagem pela qual se apaixonara
era seu próprio rosto. O telespectador que está refletindo a si mesmo quando
acredita fugir de si pelas imagens da tela corre o risco de ter, como Narciso,
tão pouca consciência daquilo que se está passando em sua mente.“
Usando uma expressão
de Jean Baudrillard (1991), “quando aparentemente mais nos aproximamos da
realidade, por intermédio de uma imagem em movimento, a cores, sonora e
instantânea, mais nos afastamos dela. E ocorre que atualmente o escândalo já
não está mais no atentado aos valores morais e sim no atentado contra o
princípio da realidade.” Ferrès diz que a televisão, assim como o cinema, tende
a potencializar um mundo de aparências, que ele denomina look. “O que conta é a imagem, a capacidade de
sedução. É a vitória do parecer sobre o ser”. É principalmente na vida particular,
segundo Ferrès, que se sofre essa tirania da imagem. Nos EUA, as mulheres
trabalhadoras urbanas gastam 1/3 de seu salário para manter a forma. É cada vez
maior o número de pessoas que sentem-se insatisfeitas com o corpo. O aumento da
anorexia está alcançando níveis alarmantes. Nos Estados Unidos ela afeta 5,1%
da população e mata 150 mil pessoas por ano. “É um trágico preço a ser pago por
viver mais próximo da tirania da imagem que da capacidade de assumir a
realidade com maturidade”, conclui Ferrès.
A duas grandes vias
da comunicação persuasiva, são definidas como uma racional e a outra emotiva.
De acordo com Ferrès, a via racional é regida pelo pensamento lógico, atuando
por argumentação, enquanto que a emotiva
atua por transferência, por semelhança, por associação. A racional pretende
convencer, enquanto que a persuasiva, seduzir, atrair o receptor pelo fascínio.
Para educar, os pais se utilizam da via racional e para entreter ou divertir, a
emocional. “Esta estratégia contrasta com a que os profissionais de persuasão
televisiva utilizam. Eles tendem a recorrer de maneira aberta à via emotiva.”
Ou seja, ao corpo como mercadoria de status, como carros de última geração.
Ferrès diz que o relato e o discurso ativam neurônios cerebrais distintos, já
que se movem em esferas tão distintas quanto o mundo da reflexão e o da emoção.
Assim acredita-se que todo tipo de ficção tem uma ideologia implícita. "E
é a concepção ingênua sobre entretenimento por parte da maioria das pessoas que
os faz particularmente vulneráveis e o que transforma o entretenimento no
sistema de socialização, intencional ou não, mas eficaz.” (Ferrès, 1996)
2.6 Identificação com
o público
Turner (Graeme
Turner, Cinema como prática Social - 1992) diz que nos identificamos ou vemos a
nós mesmos nas personagens da tela. E comum julgar-se que heróis da tela
oferecem algum tipo de satisfação do desejo, supondo que nossa admiração por um
ou outro entre eles e uma expressão de um desejo que, mesmo inconscientemente,
gostaríamos de realizar. As mulheres que
assistirem Lara Croft certamente devem desejar uma de suas perfeitas
qualidades: as coxas, os braços, os peitos, a força, as tranças. E os homens a
desejam por representar a maturidade de suas fantasias. Não que não existam
exceções, mas que a idéia de poder soquear dezenas de homens ao mesmo tempo e
ser uma heroína aos moldes das modelos de sucesso nos faz ir em busca de tais características.
Também não é a toa que as academias de kickboxer, jiu-jitsu e artes marciais
nunca contaram com tantas mulheres no tatami.

Argumenta-se também
que nos identificamos com os mecanismos do cinema porque estes se tornam
extensões de nós mesmos a partir do significado da câmera como o olho humano.
Quando nos identificamos com algum personagem, Turner aponta que esta é uma
conseqüência de ver a tela como se fosse um espelho de nós mesmos e de nosso
mundo (Lacan).
Dudley Andrew (1984)
afirma:
”Nossa fascinação
pelos filmes agora é considerada não tanto uma fascinação com determinadas
personagens e enredos quanto uma fascinação pela imagem em si mesmo baseada
numa primitiva fase do espelho de nossa evolução psíquica. Assim como fomos
confrontados com a gloriosa visão no espelho quando crianças, agora nos
identificamos com a apresentação gloriosa de um espetáculo na tela.”
Turner acrescenta que parece haver aspectos do processo de
identificação com o filme que emanam de nossos impulsos mais primários. Seriam
eles: prazer narcisista (ver a si próprio refletido na tela); voyeurista
(apreciar o poder da imagem de outro na tela) e fetichista (uma maneira de
enxergar o poder de coisas materiais ou de pessoas a fim de lidar com o medo
que se tem delas. “São todas expressões da sexualidade humana ou deslocamentos
de desejos; pode-se dizer que todos oferecem os meios de identificação entre o filme e o público.”
3. O CORPO
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Concurso Miss Universo, 1958 |
Estudos feministas
sobre a representação do feminino no cinema têm focalizado, como era de se
prever, a comercialização do corpo feminino, a exploração do corpo da mulher
como espetáculo de cinema e a negação de que o cinema contemporâneo tenha
promovido qualquer mudança significativa nesses padrões de representação e
exploração. Laura Mulvey (1975) afirma que a fascinação do filme “é reforçada
por padrões preexistentes de fascinação já em funcionamento dentro do indivíduo
e das formações sociais que o moldaram”. O Cinema Hollywoodiano é construído
para a ‘contemplação masculina’, isto é, o ponto de vista dominante ao qual se
dirigem as narrativas é masculino e os prazeres visuais do filme - incluindo o
espetáculo do corpo feminino - também são principalmente para o corpo feminino.
Turner diz que “há o
prazer de ver formas e imagens pelo simples gosto de observá-las, ou com uma
espécie de saída para fazer compras a fim de compor a própria representação da
pessoa”.
3.1 A cultura da
estética perfeita
Estrelas cinema
convivem com a pressão constante do star system. Pretendentes ao estrelato e a
vida glamourosa enfrentam ilimitadas condições para tal. Bisturis, implantes,
injeções, dietas. A revista Época do mês de Abril traz uma reportagem sobre a
Miss Brasil Juliana Borges e a cirurgia plástica. No total foram 19
intervenções feitas por um cirurgião de Porto Alegre. De acordo com a
reportagem, com 1, 80m e 58 quilos, a modelo aumentou o busto para chegar aos
90cm, harmonizados com a mesma medida dos quadris. Lipoaspirações na barriga e
nas costas afinaram a cintura para os atuais 60cm. Aos cabelos acrescentou-se
um aplique o fez crescer 10cm.
No ano 2000, os
médicos brasileiros fizeram 350 mil cirurgias plásticas, 30% mais do que no ano
interior. Do total, 100 mil forma lipoaspirações. Um dos cirurgiões mais
procurados de São Paulo, Paulo Muller, diz que está preocupado com o que ele
denomina “síndrome de Miss Brasil”.
Em 1980, a idade dos
brasileiros que faziam cirurgia plástica era de 55 anos. Hoje caiu para 35
anos. “Toda veneração é um reconhecimento da sua própria insuficiência”, revela
Ferrès (Televisão Subliminar, 1998). Ele acredita que esses comportamentos
irracionais são uma conseqüência do caráter de envolvimento da sedução que os
mitos exercem. “As estrelas são vividas como prolongações da própria
personalidade, como compensações da própria personalidade, como compensações
das próprias limitações e carências”. No cinema, o espelhamento é ainda maior.
Os seios fartos de Lara Croft e o corpo escultural são regras básicas para que
as mulheres pareçam normais. Ao longo de mais de um século de história, o
cinema se revelou como um meio extraordinariamente eficaz na indução de
comportamentos, de modas e de valores. Segundo Ferrès, há muitos casos
significativos, ao longo do século, no que se refere à moda. Em 1936, o
penteado liso de Greta Garbo mudou a moda dos cabelos. A cabeleira loura de
Marilyn Monroe não só foi copiada por multidões de fãs, inclusive por outras
estrelas como Madonna e Marta Sanchez, nas Espanha. Quanto ao modo de se
vestir, Marlene Dietrich e Greta Garbo impuseram um tipo de vestir um tanto
masculino, a base de calças e casacos amplos. Joan Crawford popularizou as
ombreiras nos vestidos enquanto que Catherine Hepburn, a moda das calças para
mulheres.
As estrelas influenciam muito mais do que parece nos
comportamentos femininos, principalmente. Influenciam na hora de se vestir, na
hora de medir a porcentagem de gordura do corpo, na hora de cortar e pintar o
cabelo. Ferrès acredita que não se pode tratar de uma decisão racional. “É sem
dúvida, uma decisão emocional, embora precise, numa última fase, de um processo
de racionalização”.
As estrelas de cinema
pagam caro para refletir a imagem do mito, resistente ao tempo e ao
envelhecimento. As constantes visitas aos cirurgiões plásticos dão relevo a uma
atitude obsessiva por responder às expectativas. Elisabeth Taylor visitou
cirurgiões plásticos incontáveis vezes durante quatro décadas para realizar
estiramentos epidérmicos. Richard Gere eliminou rugas ao redor dos olhos e
pescoço. Julia Roberts deve ao colágeno a sensualidade de seus lábios. Kim
Bassinger, que teve que corrigir até mesmo um estrabismo conseguiu seus lábios
carnudos graças ao silicone, e em várias ocasiões recorreu aos liftings. É a
outra face do estrelato, o drama das estrelas que são obrigadas representar o
que aparentam ser, condenadas a responder sua imagem e, ao mesmo tempo, a lutar
contra o desgaste do tempo contra suas próprias imperfeições físicas. E
humanas.
Nas mulheres
“comuns”, as obsessões costumam se concentrar no excesso de peso, que se
reflete em doenças como anorexia nervosa e que afeta adolescentes entre 12 e 25
anos. As anorexas se vêem gordas mesmo estando em pele e ossos. São pois, uma
manifestação evidente do caráter subjetivo da percepção, um exemplo inapelável
de como os desejos e temores podem distorcer s percepções. Nos EUA, de cada 100
adolescentes, 20 são anorexicas e 6 bulímicas.
A edição da revista TIMES do mês de julho de 2001 traz a
dançarina Carla Perez na Capa e a preocupação de como as mulheres latinas estão
esculpindo o corpo de acordo com os modelos americanos. Seria culpa do
imperialismo cultural? Na busca desenfreada por um novo visual e aumento da
auto-estima, as brasileiras lideram o ranking mundial, Entre 1996 e 1999, o
número de cirurgia plástica aumentou 50%. Enquanto que nos EUA cerca de 2/3 das
cirurgias são reconstrutivas, no Brasil 60% são estéticas. Para o sociólogo
venezuelano Roberto Briceño Leon, a mania do silicone é resultado do
imperialismo cultural. “A cultura dos seios fartos é acompanhada por uma
verdadeira blitz da mídia nacional”. Feiticeira, Sheila Carvalho, Sheila Melo,
Xuxa, Gisele, mulheres frutas.
Há pouco tempo as
pessoas procuravam os cirurgiões para corrigir defeitos ou para tratamentos
simples de pele decorrentes do envelhecimento. Hoje estão mais preocupados em
preencher de uma vez as lacunas que separam a fantasia do real, os mitos da
perfeição na imagem do cinema, nos corpos reais.
CONCLUSÃO
O que a geração Carla
Perez, mulheres reais, tem em comum com Lara Croft, personagem virtual? O
corpo. Vítimas de modismos e culturas ao corpo, as mulheres agora, livres do
machismo das décadas passadas enfrentam o erotismo exarcebado como única forma
de ser valorizada como tal. A confusão das fronteira do real e do sonho já não
são mais merecedoras de atenção pelo espectador feminino. O prazer do
hipnotismo causado pelo mercado pós-moderno audiovisual e das indústrias do
consumismo agora sorri de arma ao punho e peitos enormes, como se enfim
chegassem ao topo da K-2, de shortinho e regata. E salta discretamente qualquer
burburim que lhe denote semelhança com
manipulação ou persuasão subliminar, caindo sempre em terreno seguro, sem
sequer um mínimo arranhão. E as clínicas de cirurgia plástica transbordam de
mulheres e adolescentes consultando de um lado, enquanto que caminhões do Sedex
entregam encomenda de próteses de silicone, bundas e panturrilhas... de outro.
Enquanto isso,
consórcios de implantes de silicones vão sendo criados, por que aqueles
desprovidos de condições financeiras também amam e não estão isolados do mundo
da cultura do corpo perfeito. E meninos crescem arquivando modelos de mulheres
que simplesmente não existem quando eles desligam o vídeo game ou quando saem
das salas de cinema. Na escola, são as meninas adolescentes que exibem os
peitos precocemente como se estivessem num salão de bordel prontas para serem
escolhidas. E as que não tem, abrem mão da Disneilândia e da valsa dos 15 anos
em prol do sutiã 44. Mas claro! Se as dançarinas dos programas televisivos, além
de serem idolatradas por milhares de meninos do Brasil inteiro, ainda recebem
fortunas se divertindo, porque todo o resto deve sonhar em se esconder detrás
de mesas de universidades durante nove horas por dia, ir pra casa criar filhos
e ainda assistir espetáculos televisivos de corpos exuberantes enquanto seu
marido sorri para a tela? Nada mal em transformar o mundo terreno no jardim do
Éden, com direito a bunda sem celulites, peito que nunca cai, cerveja que não
engorda e cigarros que não matam.
Azar de quem não
tiver dinheiro pra comprar seu lugar no paraíso...
4.
BIBLIOGRAFIA
CASSEL,
Justine. From Barbie to Mortal Kombat – Londres: MIT Press, 1998;FAGES,
Jean-Baptiste. Para Compreender Lacan; FERRÈS, Joan. Televisão e
Educação - Porto Alegre: Artes Médicas, 1996; FERRÈS, Joan. Televisão
Subliminar – Porto Alegre: Artmed, 1998; LASH, Christopher. O mínimo Eu
- São Paulo: Brasiliense, 1990;MORIN, Edgar. As estrelas - mito e
sedução no cinema – Rio de Janeiro: José Olympio, 1989; STACEY, Jackie. Star
Gazing – New York: Routledge, 1994;TURNER, Graeme. Cinema como prática Social –
São Paulo: Summus, 1992;REVISTAS: Época, edição 3 de 2001 Matéria “A
reconstrução do Corpo”; Set, edição de julho de 2001 Matéria “Angelina Jolie é
Lara Croft”;Time, edição de julho de 2001 Matéria de Capa - Publicado 25th
October 2012 por Simões-Derzett Instituto Corpo Mente.