segunda-feira, 5 de novembro de 2012

O que Ela Tem que Eu não Tenho?


"No mito grego, Narciso via seu rosto refletido na águas e ficava
hipnotizado por sua própria beleza e perfeição"


  Para quem já se fez a pergunta ou busca maiores conhecimentos sobre o tema, vale a pena ler a tese de mestrado - "Estudo do Mito das Estrelas no Imaginário do Espectador Feminino" de Miila Derzett (PUCRS 2001) publicado no livro SOCINE.

   A partir do estudo de caso em Lara Croft, personagem do filme Tomb Rider, a Comunicação Persuasiva não será objeto de estudo por si mesma, mas se fará presente a partir do viés das Teorias de Lacan e Freud, analisadas nas imagens estereotipadas, através dos signos que influenciam subliminarmente e psicologicamente a recepção. Os conceitos de Narcisismo, Culto da Aparência e Mito das Estrelas são, respectivamente, explorados pelos autores Christopher Lash, Joan Ferrés e Edgar Morin.
 Agindo no contexto da análise, dá-se destaque a teoria das duas grandes vias da comunicação persuasiva de Ferrès. “E é a concepção ingênua sobre entretenimento por parte da maioria das pessoas que os faz particularmente vulneráveis" e o que transforma o entretenimento no sistema de socialização, intencional ou não, mas eficaz.” (Ferrès, 1996)

 A PERSONAGEM DOS GAMES VAI AO CINEMA
 Lara Croft, a protagonista de “Tomb Raider” (criada em 1996 para jogos de vídeo Games), é uma arqueóloga que se transformou num dos mais familiares ícones da indústria contemporânea de jogos e que, de acordo com Henry Junkins (From Barbie to Mortal Kombat, 1998), distribuiu não somente seqüelas nos jogos de vídeo games, mas também nos filmes e seriados. “Uma mulher que é musculosa, faz acrobacias e se garante em todos os tipos imagináveis de cenas perigosas”. O seu criador, Toby Gard diz que “Lara foi desenhada para ser uma durona, confiante em si própria, uma mulher inteligente. Ela ignora todos os clichês sexuais pelo fato de que é uma figura inacreditável”. De acordo com Junkins, Lara Croft pode ser definida como uma mulher forte e independente, o que se definiria como as fantasias perfeitas das meninas – “o intocável é sempre o maior desejo”, comenta Gard. Ele diz que pensou em criar qualidades que satisfizessem tanto meninas, num tipo de modelo para os jogos e uma figura sexualmente atrativa para o mercado dos meninos. Uma empresária de softwares pergunta : “Tomb Raider teria vendido tantas cópias se Lara estivesse vestindo um blusão e calças compridas?”. Em outras análises ainda se discute que Lara Croft existe não para dar poder as mulheres, mas para permitir que os homens tenham a experiência do que é ser frágil e não ter o mesmo desempenho masculino. Outra pergunta seria se não poderiam ter sido criadas personagens femininas, como Lara, sem a exploração dos interesses adolescentes como seios e bundas.



 1.1 Lara Croft no cinema - Depois de meses entre diferentes roteiristas e diretores, a produtora Eidos conseguiu fechar acordo coma Paramount com o projeto de levar uma heroína dos jogos às telas de cinema, e iniciar as gravações de Tomb Raider. Angelina Jolie encarna de corpo e alma o papel da protagonista Lara Croft, depois de cinco meses de treinamento pesado e aulas de acrobacia, boxe. Na revista SET (julho, 2001), a atriz revela dados interessantes numa entrevista. O repórter Roberto Saidowski pergunta se “Lara Croft representaria uma nova geração de mulheres, as mulheres do novo século”. Angelina diz que gosta de pensar que sim. “ Para mim, com certeza. Estou cada vez mais parecida com ela. Ainda sou jovem, quero viajar mais, conhecer mais lugares, ter mais cultura. Também gosto e estar em forma, de ser saudável. São ótimas qualidades para uma mulher...” Acredita-se aqui que Angelina não entendeu que a pergunta também se referia as aspecto da aparência de Lara...
  Ele segue: “Por outro lado, você não acha estranho que uma personagem de vídeo Games criada por homens, seja um modelo para mulheres?” Ela responde: ”Na verdade, não. Acho que a heroína dos jogos foi criada por homens, mas mulher que você vê no filme foi criada por uma outra mulher. Esse equilíbrio a faz especial. Não acredito que a personagem do jogo seja uma modelo, mas no filme a fizemos mais forte, com mais personalidade”. Angelina novamente não cita sua opinião quanto ao modelo de corpo, que se destaca tanto nas imagens dos jogos quanto no filme. Esta seria uma idéia de uma atriz, que está do outro lado da nossa discussão, e, portanto, se concordasse com nossas análises, não seria uma atriz de fato, ou não toparia fazer parte do jogo, literalmente.
 1.2 O peso da imagem
 “Quando se fala em peso e imagem do corpo, as maiorias das mulheres se sentem inseguras. Me mostre uma mulher satisfeita com o tamanho de seus peitos que mostrarei uma raridade. A maioria da culpa por isso vem sendo pressionada pelo modelo apresentado pelos meios de comunicação – modelos super magras que vivem num mundo de cigarros e café, atrizes que tem seus próprios personal trainers e tempo para malhar durante 4 horas por dia, ir a massagistas e passar o resto do tempo entre cirurgiões e estéticas. Este não é o modelo real para as mulheres que trabalham 8 horas ou mais por dia e tem crianças para cuidar, e ainda se sentem pressionadas a se parecerem com “elas”." (Cal Jones – Editora do PC games)
  A má notícia é que o modelo perfeito de mulheres sonhadas pela maioria e imposta por outra grande parte é bem diferente da realidade “real” feminina. Ela não é nenhum modelo verdadeiro ou uma estrela de cinema – ela não é nem ao menos real. Este problema vem em forma de seios bem siliconados – Lara Croft.

  Parece aqui que o problema com Lara Croft é que ela foi criada por um homem, para homens. Lara tem coxas finas e musculosas, pernas longas, uma cintura que se pode enlaçar com as mãos e joelhos perfeitos. Mostre este desenho para qualquer garoto e normalmente ele irá encontrar qualidades sexuais nela, ao invés de apenas querer “jogar” com ela. Cal Jones segue:
 “Mais do que isso, esta mulher não poderia ter seios tão grandes (que até Angelina Jolie recusou implantar – ao invés, disso, usou um sutiã adaptado). Como toda mulher sabe, peitos são compostos basicamente por tecido gorduroso e um dos males das dietas é que seus peitos diminuem antes do seu bumbum. (Toda mulher que é magra e parece ter seios fartos a) colocou um implante b) está usando um sutiã com enchimento”. Claro que o criador preferiu compor uma mulher que satisfizesse ambos os sexos. O problema é que Lara, assim como grandes figuras moldadas, fazem nos sentir inadequadas. Não somente por suas formas, mas também por sua força, que nem a maioria dos homens seria capaz de ter. Lara pode não somente levantar o peso do seu corpo com as mãos como também fazer parada de mão com uma só mão...”
  Você pode estar questionando porque um personagem de vídeo games e filme como Croft poderia ameaçar as mulheres. Claro que somos sensíveis e racionais o bastante para não levá-la a sério, mas o mesmo não pode ser dita sobre a impressão de crianças e adolescentes. Sabemos que a maioria dos jovens em fase de descobertas sexuais têm suas primeiras visões da anatomia feminina através dos de revistas, vídeos e hoje também na televisão, e crescem acreditando que as mulheres são, na realidade, assim tão proporcionais e perfeitas. Agora, graças a Lara, também passarão a imaginar que somos fortes, ágeis, ginastas com resistência suficiente para chutar postes e correr dezenas de maratonas seguidas. E se não for assim, eles irão se frustrar.

 AS ANALOGIAS
 2.1 Discurso de Lacan - A Teoria Especular


Concurso de Miss Infantil

  Lacan defende a idéia de que desde criança damos uma importância privilegiada ao espelho. Logo no começo da identificação pelo espelho, a criança, de acordo com Lacan, reage como se a imagem apresentada pelo espelho fosse uma realidade. Mais adiante, a criança passaria então a reconhecer esse outro como sendo sua própria imagem, tratando-se aqui de um processo de identificação. “É uma identificação dual (Para Compreender Lacan - Jean-Baptiste Fages, 1971), reduzida a dois termos, o corpo da criança e sua imagem. É imediata e narcísica”. Fages acredita que este seria a presença de um dos primeiros dramas da existência - a constituição do eu.
 Joan Ferrès (Joan Ferrès, Televisão e Educação, 1996) acredita que a televisão ou o cinema agem como espelho.  “A preferência dos telespectadores  provém tanto de um exercício de sua inteligência como de seus sentimentos. Quando ele avalia um programa, avalia a si mesmo.” Qual seria o efeito, tanto das versões de Lara Croft em vídeo games quanto na versão do filme para adolescentes e mulheres adultas?
 Além de a teoria especular de Lacan, diversas outras teorias surgem para explicar os efeitos da imagem do cinema no imaginário do espectador.

 2.2 O Narcisismo de Lash
 Christopher Lash (O mínimo Eu; 1984) diz que na vida moderna a individualidade transforma-se numa espécie de bem de luxo. Ele acredita que no mundo contemporâneo o narcisismo pode ser definido como o auto-interesse, o egoísmo e a indiferença ao bem comum. O mínimo eu ou narcisista e um eu inseguro de seus próprios limites que almeja reconstruir o mundo a sua própria imagem. Lash acredita que a substituição de um mundo confiável de objetos duráveis por um mundo de imagens oscilantes que torna cada vez mais difícil a distinção entre a realidade e a fantasia. Aqui o narcisismo aparece não somente como auto interesse ou ao egoísmo, mas ao desejo feminino de união com o mundo. O público feminino que se depara com os contornos ditos como “o essencial”, de acordo com as exigências da maioria dos homens, desperta tanto uma necessidade de busca por aquele objetivo visto na imagem, quanto por uma ansiedade por consumir aquele objeto de desejo, mesmo ele se tratando do corpo como uma mercadoria. As mulheres modernas então estariam aptas a ignorar as necessidades primárias humanas em busca destas outras realizações. Seria um modo de agir egoísta, preocupado somente com o bem individual, efeitos colaterais do capitalismo moderno. Assim sendo as imagens do cinema algo próximo do real, e de um real espetacular, prazeroso, perfeito, o ser humano feminino passaria a almejar aquela realidade tentando, a qualquer custo, criar um mundo real a partir daquela fantasia. E , dentro do estudo do filme Tomb Raider, mais uma vez jovens adolescentes do sexo masculino estariam tendo uma demonstração completamente impossível de ser trazida a realidade por quase que 90% das meninas. Conseqüentemente, estas adolescentes se frustram por não poder exibir formas que se destaquem na vida real como acontece nas imagens de tv e cinema.
 Para Lash, a origem dos consumismos estaria nas diversas frustrações e derrotas digeridas pelos EUA desde a Guerra do Vietnã. A tecnologia americana deixou de ser a mais avançada, as falhas na economia e o fracasso da política externa parece ter refletido num fracasso moral mais profundo, numa crise cultural de alguma forma associada com o colapso dos valores tradicionais e a emergência de uma nova forma de auto-gratificação.  Em julho de 1979, o presidente Carter atribuiu o mal da nação ao espírito egoísta e a busca de “coisas”. Num estudo sobre a indústria automobilística feita por Emma Rothschild, mostrou que as inovações promovidas por Alfred Sloan nas técnicas de marketing - a compra do modelo do ano, o constante aperfeiçoamento dos produtos, os esforços para associá-los ao status social, a inculcação deliberada de um apetite ilimitado por mudanças, fazendo com que o indivíduo desacreditasse em seu próprio julgamento, mesmo em matéria de gostos pessoais ( e acreditar no que a indústria propõe).
 Lara é realmente uma mulher extraordinária, mas não real. Foi constituída como um quebra cabeças de partes satisfatórias de um corpo feminino. Das exigências gerais do universo masculino ela foi digitalizada. Como se explicaria então esta forte tendência dos meios de comunicação, no caso, o cinema, de propor fantasias para aquietar outras fantasias e que acabam virando uma utopia para uma realidade de ambos os sexos?
 Para Lash, o efeito psicológico do consumismo está no exercício repetido da auto vigilância constrangida, da submissão ao julgamento dos especialistas, da descrença em sua própria capacidade de tomar decisões inteligentes, falseando a percepção das pessoas tanto em relação a elas mesmas como ao mundo que as rodeia. Como se cada um de nós só valêssemos a opinião alheia e como se essas opiniões fossem capazes de comandar nossas diferentes maneiras de ser fisicamente, de se vestir, de ter. Esse mesmo efeito estimula, de acordo com Lash, um novo tipo de autoconsciência que tem pouco a ver com a instropecção ou a vaidade. Tanto como trabalhador ou como consumidor, o indivíduo não apenas aprende a avaliar-se face aos outros mas a ver a si próprio através dos olhos alheios; aprende que a auto imagem projetada conta mais que a experiência e as habilidades adquiridas. Ele adota uma visão teatral de sua própria performance, numa sociedade que se baseia na produção de massa e no consumo de massa, estimulam uma atenção sem precedentes nas imagens e impressões superficiais. Quando as pessoas reclamam por se sentiram inautenticas ou se rebelam contra o “desempenho de papéis”, dão testemunho da pressão predominante no sentido de que vejam com os olhos dos outros e moldem o eu como mais uma mercadoria disponível para o consumo no mercado aberto.
 A produção de mercadorias e o consumismo alteram as percepções não apenas do eu como do mundo exterior ao eu; criam um mundo de espelhos, de imagens, de ilusões cada vez mais indistinguíveis da realidade. O efeito especular faz do sujeito um objeto e ao mesmo tempo transforma o mundo dos objetos numa extensão ou projeção do eu. O consumidor vive rodeado não apenas por coisas, mas também por fantasias. No filme Tomb Raider,  a dinastia da mulher forte e inatingível vai além das diretrizes corporais. Ela passa a ser também musculosa, ágil, inacreditavelmente lutadora e segura de si mesma - o tempo todo? Este seria um produto, um modelo de corpo e atitudes que são o que os homens querem ou ao menos o que esperam das mulheres.
 A cultura organizada em torno do consumo de massa estimula o narcisismo - que podemos definir para o momento, como a disposição de ver o mundo como um espelho, mais particularmente como uma projeção dos nossos próprios medos e desejos - não porque torna as pessoas gananciosas e agressivas, mas porque as torna frágeis e dependentes. A cultura do consumismo está na venda, independente do meio, de uma necessidade criada, de se obter o tão sonhado prazer e satisfação imediata, de encontrar uma certa felicidade, mesmo que este custe caro. Também esta cultura corrói a confiança na capacidade de entender e formar o mundo e de prover as suas próprias necessidades. O que parece é que você não é mais dono de suas vontades e opiniões. A mensagem é que é.


Porque Elvis mesmo morto, não morreu?

  A cultura do consumo parece propor uma troca: o que não é fantasia não é real. Ao invés do contrário. O consumidor passa a conceber o mundo como uma espécie de extensão do seio, gratificante ou frustradora; reluta em conceber o mundo a não ser em conexão com suas fantasias. Em uma época de imagens e ideologia, entretanto, a diferença entre realidade e fantasia torna-se cada vez mais ilusória. A idéia de que você pode ser tudo que você quiser, passou a significar a possibilidade de as identidades serem dotadas ou descartadas como se troca de roupa.
  Mas nem todos os intelectuais pensam de maneira crítica em relação ao cinema na psicologia humana. Clecak, citado na obra de Lash, defende a idéia de que a maior parte das pessoas do passado, levava uma vida difícil e infeliz. O industrialismo trouxe a gente comum, pela primeira vez uma vasta expansão das oportunidades de satisfação pessoal. Se eles exploram, estas oportunidades de maneira que ofende os intelectuais, o que importa é o fato de terem o direito de escolha. Ele diz que “os excessos deplorados tanto pelos intelectuais conservadores quanto pelos radicais theories, são excessos de imaturidade e darão lugar no devido tempo a alguma coisa melhor”. Quanto ao narcisismo e a cultura do egoísmo, eles podem ser descartados como excessos, subprodutos inevitáveis, efeitos colaterais incômodos do processo social e econômico. Uma visão extremamente ingênua dos efeitos da imagem, quando já são comprovados por diversos estudos da psicologia.

 2.3 Freud e o sonho
Graeme Turner (Cinema como pratica social, 1992) diz que a discussão sobre a relação entre o público e o que ele vê na tela inevitavelmente nos leva a reexaminar aquilo que constitui a experiência de ir ao cinema. A acusação de escapismo geralmente dirigida contra o cinema provavelmente baseia-se na sensação de estar separado da realidade. Estamos sentados no escuro, fazendo parte de um grupo de pessoas, mas separados delas pelo fato de não serem facilmente visíveis; vemos imagens realistas que, no entanto, são representações superdimensionadas do real; sentamos em poltronas confortáveis, a atenção focalizada na tela e nada competindo com esta atenção. A avidez de nossa atenção é inevitável: a estrutura física da sala de projeção indica em si mesma o desejo do público de consumir sons e imagens que serão projetados na sua frente. O fato de que a imagem do cinema se parece real e de que reagimos a ela como se fosse, desperta discussão.
 Vejamos então as semelhanças entre ver um filme e uma condição que é o sonho. Os sonhos não acontecem realmente, embora possamos experimentá-los como se acontecessem. Como nos filmes, os sonhos têm a capacidade de expressar o pensamento por meio de imagens; e também tendem para estruturas narrativas, com a impressão de serem mais do que reais. Para Louis Baudry (1974) o escuro da sala de projeção, uma relativa passividade do espectador e, com o efeito hipnótico das luzes e sombras, acaba por imitar. De acordo com Baudry, o cinema, assim como o sonho é regressivo, pois evoca o que Freud chama de princípio do prazer em detrimento do princípio da realidade. Isso implicaria uma volta as teorias freudianas da estrutura da personalidade, numa versão infantil imatura, do eu em que suas necessidades e desejos (as forças que se escondem atrás do princípio do prazer) dominam a personalidade as custas de considerações contextuais, éticas e sociais. Se Freud sustentava que o desejo está localizado na brecha existente entre o real e o imaginário, então o cinema ocupa essa brecha.

 2.4 As estrelas de Morin


Loira, linda e Sexy

  A estrela de cinema nasceu em 1910, por força da concorrência acirrada entre as primeiras empresas cinematográficas americanas (Edgar Morin, As Estrelas: Mito e Sedução no Cinema, 1989).  De acordo com Morin, ela se desenvolveu ao mesmo tempo em que a concentração de capital na indústria dos filmes, e estas duas evoluções se aceleraram mutuamente. As grandes estrelas tornaram-se apanágio e propriedade das grandes empresas, da mesma forma que se tornariam apanágio e centro de gravidade dos grandes filmes. A constituição do star system é mais um elemento desses desenvolvimentos que uma conseqüência deles. Suas características internas são idênticas à do capitalismo industrial, comercial e financeiro. O star system é fabricação – termo espontaneamente fabricado por Carl Laemmle, o inventor das estrelas de cinema. “A fabricação das estrelas é um fator primordial na indústria do filme”.
 Morin fala do culto pela estrela como uma necessidade de conhecimento fetichista: o peso de uma determinada estrela, ou delas em geral, a comida predileta, a marca de suas cuecas, a medida do peito são portadores de sua presença, dotados da concretude e da objetividade do real na ausência do próprio real. Para explicar tais observações, Morin observa que há um primeiro momento da evolução humana em que o duplo corresponde a uma experiência concreta fundamental: entre os primitivos e as crianças, a primeira visão, a primeira consciência de si é o exterior de si. O “eu” é inicialmente um outro, um duplo revelado por sombras, reflexos, espelhos.
Sobre os “mimetismos de associação”, Morin diz que são as estrelas que conduzem nossos atos, gestos, pose, atitudes, desde o penteado até vestuário. Os mimetismos são a princípio infinitos. Em seu notável desenvolvimento, a indústria da beleza transmite e difunde os padrões modelados pela estrela-padrão, que pode ser arquétipo global como também poder ser particular, cada qual imitando a estrela com a qual se julga mais parecido. Morin crê na existência, dentro da personalidade humana, do mito e da realidade, quando cada um fabrica para si mesmo uma personalidade postiça, que de certa forma é o oposto da personalidade real, mas também é o intermediário através do qual se chega à verdadeira personalidade, que pode nascer tanto da criação como da imitação. E é a estrela que dá o modelo dessa máscara e desse disfarce.
 Joan Ferrès vai mais adiante. (Joan Ferrès, Televisão e Educação, 1996) Diz que é a gratificação mental, derivada das fábulas e das fantasias, que satisfazem uma necessidade básica. “A pessoas precisam dos mitos para viver, como precisamos do ar para respirar.” Ele diz que a identificação se produz quando o espectador assume emotivamente o ponto de vista de um personagem, ao considera-lo reflexo da sua própria situação de vida ou de seus sonhos e ideais.

 2.5 Ferrès, o culto da aparência e as duas vias da comunicação persuasiva


Narciso

 No mito grego, Narciso via seu rosto refletido nas águas e ficava hipnotizado por sua própria beleza e perfeição. A televisão é espelho porque projeta para o espectador uma imagem idealizada de si mesmo e do mundo. (Ferrès, 1996)
 “O problema de Narciso era desconhecer o que se passava com ele. Se acabou morrendo diante da água foi porque não tinha consciência de que a imagem pela qual se apaixonara era seu próprio rosto. O telespectador que está refletindo a si mesmo quando acredita fugir de si pelas imagens da tela corre o risco de ter, como Narciso, tão pouca consciência daquilo que se está passando em sua mente.“
 Usando uma expressão de Jean Baudrillard (1991), “quando aparentemente mais nos aproximamos da realidade, por intermédio de uma imagem em movimento, a cores, sonora e instantânea, mais nos afastamos dela. E ocorre que atualmente o escândalo já não está mais no atentado aos valores morais e sim no atentado contra o princípio da realidade.” Ferrès diz que a televisão, assim como o cinema, tende a potencializar um mundo de aparências, que ele denomina look.  “O que conta é a imagem, a capacidade de sedução. É a vitória do parecer sobre o ser”. É principalmente na vida particular, segundo Ferrès, que se sofre essa tirania da imagem. Nos EUA, as mulheres trabalhadoras urbanas gastam 1/3 de seu salário para manter a forma. É cada vez maior o número de pessoas que sentem-se insatisfeitas com o corpo. O aumento da anorexia está alcançando níveis alarmantes. Nos Estados Unidos ela afeta 5,1% da população e mata 150 mil pessoas por ano. “É um trágico preço a ser pago por viver mais próximo da tirania da imagem que da capacidade de assumir a realidade com maturidade”,  conclui Ferrès.
 A duas grandes vias da comunicação persuasiva, são definidas como uma racional e a outra emotiva. De acordo com Ferrès, a via racional é regida pelo pensamento lógico, atuando por argumentação, enquanto que  a emotiva atua por transferência, por semelhança, por associação. A racional pretende convencer, enquanto que a persuasiva, seduzir, atrair o receptor pelo fascínio. Para educar, os pais se utilizam da via racional e para entreter ou divertir, a emocional. “Esta estratégia contrasta com a que os profissionais de persuasão televisiva utilizam. Eles tendem a recorrer de maneira aberta à via emotiva.” Ou seja, ao corpo como mercadoria de status, como carros de última geração. Ferrès diz que o relato e o discurso ativam neurônios cerebrais distintos, já que se movem em esferas tão distintas quanto o mundo da reflexão e o da emoção. Assim acredita-se que todo tipo de ficção tem uma ideologia implícita. "E é a concepção ingênua sobre entretenimento por parte da maioria das pessoas que os faz particularmente vulneráveis e o que transforma o entretenimento no sistema de socialização, intencional ou não, mas eficaz.” (Ferrès, 1996)

 2.6 Identificação com o público
 Turner (Graeme Turner, Cinema como prática Social - 1992) diz que nos identificamos ou vemos a nós mesmos nas personagens da tela. E comum julgar-se que heróis da tela oferecem algum tipo de satisfação do desejo, supondo que nossa admiração por um ou outro entre eles e uma expressão de um desejo que, mesmo inconscientemente, gostaríamos de realizar.  As mulheres que assistirem Lara Croft certamente devem desejar uma de suas perfeitas qualidades: as coxas, os braços, os peitos, a força, as tranças. E os homens a desejam por representar a maturidade de suas fantasias. Não que não existam exceções, mas que a idéia de poder soquear dezenas de homens ao mesmo tempo e ser uma heroína aos moldes das modelos de sucesso  nos faz ir em busca de tais características. Também não é a toa que as academias de kickboxer, jiu-jitsu e artes marciais nunca contaram com tantas mulheres no tatami.


 Argumenta-se também que nos identificamos com os mecanismos do cinema porque estes se tornam extensões de nós mesmos a partir do significado da câmera como o olho humano. Quando nos identificamos com algum personagem, Turner aponta que esta é uma conseqüência de ver a tela como se fosse um espelho de nós mesmos e de nosso mundo (Lacan).
 Dudley Andrew (1984) afirma:
 ”Nossa fascinação pelos filmes agora é considerada não tanto uma fascinação com determinadas personagens e enredos quanto uma fascinação pela imagem em si mesmo baseada numa primitiva fase do espelho de nossa evolução psíquica. Assim como fomos confrontados com a gloriosa visão no espelho quando crianças, agora nos identificamos com a apresentação gloriosa de um espetáculo na tela.”
  Turner acrescenta que parece haver aspectos do processo de identificação com o filme que emanam de nossos impulsos mais primários. Seriam eles: prazer narcisista (ver a si próprio refletido na tela); voyeurista (apreciar o poder da imagem de outro na tela) e fetichista (uma maneira de enxergar o poder de coisas materiais ou de pessoas a fim de lidar com o medo que se tem delas. “São todas expressões da sexualidade humana ou deslocamentos de desejos; pode-se dizer que todos oferecem os meios de identificação  entre o filme e o público.”
 3. O CORPO

Concurso Miss Universo, 1958
  Estudos feministas sobre a representação do feminino no cinema têm focalizado, como era de se prever, a comercialização do corpo feminino, a exploração do corpo da mulher como espetáculo de cinema e a negação de que o cinema contemporâneo tenha promovido qualquer mudança significativa nesses padrões de representação e exploração. Laura Mulvey (1975) afirma que a fascinação do filme “é reforçada por padrões preexistentes de fascinação já em funcionamento dentro do indivíduo e das formações sociais que o moldaram”. O Cinema Hollywoodiano é construído para a ‘contemplação masculina’, isto é, o ponto de vista dominante ao qual se dirigem as narrativas é masculino e os prazeres visuais do filme - incluindo o espetáculo do corpo feminino - também são principalmente para o corpo feminino.
 Turner diz que “há o prazer de ver formas e imagens pelo simples gosto de observá-las, ou com uma espécie de saída para fazer compras a fim de compor a própria representação da pessoa”.

 3.1 A cultura da estética perfeita
 Estrelas cinema convivem com a pressão constante do star system. Pretendentes ao estrelato e a vida glamourosa enfrentam ilimitadas condições para tal. Bisturis, implantes, injeções, dietas. A revista Época do mês de Abril traz uma reportagem sobre a Miss Brasil Juliana Borges e a cirurgia plástica. No total foram 19 intervenções feitas por um cirurgião de Porto Alegre. De acordo com a reportagem, com 1, 80m e 58 quilos, a modelo aumentou o busto para chegar aos 90cm, harmonizados com a mesma medida dos quadris. Lipoaspirações na barriga e nas costas afinaram a cintura para os atuais 60cm. Aos cabelos acrescentou-se um aplique o fez crescer 10cm.
  No ano 2000, os médicos brasileiros fizeram 350 mil cirurgias plásticas, 30% mais do que no ano interior. Do total, 100 mil forma lipoaspirações. Um dos cirurgiões mais procurados de São Paulo, Paulo Muller, diz que está preocupado com o que ele denomina “síndrome de Miss Brasil”.
  Em 1980, a idade dos brasileiros que faziam cirurgia plástica era de 55 anos. Hoje caiu para 35 anos. “Toda veneração é um reconhecimento da sua própria insuficiência”, revela Ferrès (Televisão Subliminar, 1998). Ele acredita que esses comportamentos irracionais são uma conseqüência do caráter de envolvimento da sedução que os mitos exercem. “As estrelas são vividas como prolongações da própria personalidade, como compensações da própria personalidade, como compensações das próprias limitações e carências”. No cinema, o espelhamento é ainda maior. Os seios fartos de Lara Croft e o corpo escultural são regras básicas para que as mulheres pareçam normais. Ao longo de mais de um século de história, o cinema se revelou como um meio extraordinariamente eficaz na indução de comportamentos, de modas e de valores. Segundo Ferrès, há muitos casos significativos, ao longo do século, no que se refere à moda. Em 1936, o penteado liso de Greta Garbo mudou a moda dos cabelos. A cabeleira loura de Marilyn Monroe não só foi copiada por multidões de fãs, inclusive por outras estrelas como Madonna e Marta Sanchez, nas Espanha. Quanto ao modo de se vestir, Marlene Dietrich e Greta Garbo impuseram um tipo de vestir um tanto masculino, a base de calças e casacos amplos. Joan Crawford popularizou as ombreiras nos vestidos enquanto que Catherine Hepburn, a moda das calças para mulheres.

 Greta Garbo

As estrelas influenciam muito mais do que parece nos comportamentos femininos, principalmente. Influenciam na hora de se vestir, na hora de medir a porcentagem de gordura do corpo, na hora de cortar e pintar o cabelo. Ferrès acredita que não se pode tratar de uma decisão racional. “É sem dúvida, uma decisão emocional, embora precise, numa última fase, de um processo de racionalização”.
   As estrelas de cinema pagam caro para refletir a imagem do mito, resistente ao tempo e ao envelhecimento. As constantes visitas aos cirurgiões plásticos dão relevo a uma atitude obsessiva por responder às expectativas. Elisabeth Taylor visitou cirurgiões plásticos incontáveis vezes durante quatro décadas para realizar estiramentos epidérmicos. Richard Gere eliminou rugas ao redor dos olhos e pescoço. Julia Roberts deve ao colágeno a sensualidade de seus lábios. Kim Bassinger, que teve que corrigir até mesmo um estrabismo conseguiu seus lábios carnudos graças ao silicone, e em várias ocasiões recorreu aos liftings. É a outra face do estrelato, o drama das estrelas que são obrigadas representar o que aparentam ser, condenadas a responder sua imagem e, ao mesmo tempo, a lutar contra o desgaste do tempo contra suas próprias imperfeições físicas. E humanas.
  Nas mulheres “comuns”, as obsessões costumam se concentrar no excesso de peso, que se reflete em doenças como anorexia nervosa e que afeta adolescentes entre 12 e 25 anos. As anorexas se vêem gordas mesmo estando em pele e ossos. São pois, uma manifestação evidente do caráter subjetivo da percepção, um exemplo inapelável de como os desejos e temores podem distorcer s percepções. Nos EUA, de cada 100 adolescentes, 20 são anorexicas e 6 bulímicas.
  A edição da revista TIMES do mês de julho de 2001 traz a dançarina Carla Perez na Capa e a preocupação de como as mulheres latinas estão esculpindo o corpo de acordo com os modelos americanos. Seria culpa do imperialismo cultural? Na busca desenfreada por um novo visual e aumento da auto-estima, as brasileiras lideram o ranking mundial, Entre 1996 e 1999, o número de cirurgia plástica aumentou 50%. Enquanto que nos EUA cerca de 2/3 das cirurgias são reconstrutivas, no Brasil 60% são estéticas. Para o sociólogo venezuelano Roberto Briceño Leon, a mania do silicone é resultado do imperialismo cultural. “A cultura dos seios fartos é acompanhada por uma verdadeira blitz da mídia nacional”. Feiticeira, Sheila Carvalho, Sheila Melo, Xuxa, Gisele, mulheres frutas.
 Há pouco tempo as pessoas procuravam os cirurgiões para corrigir defeitos ou para tratamentos simples de pele decorrentes do envelhecimento. Hoje estão mais preocupados em preencher de uma vez as lacunas que separam a fantasia do real, os mitos da perfeição na imagem do cinema, nos corpos reais.
 CONCLUSÃO
  O que a geração Carla Perez, mulheres reais, tem em comum com Lara Croft, personagem virtual? O corpo. Vítimas de modismos e culturas ao corpo, as mulheres agora, livres do machismo das décadas passadas enfrentam o erotismo exarcebado como única forma de ser valorizada como tal. A confusão das fronteira do real e do sonho já não são mais merecedoras de atenção pelo espectador feminino. O prazer do hipnotismo causado pelo mercado pós-moderno audiovisual e das indústrias do consumismo agora sorri de arma ao punho e peitos enormes, como se enfim chegassem ao topo da K-2, de shortinho e regata. E salta discretamente qualquer burburim que lhe  denote semelhança com manipulação ou persuasão subliminar, caindo sempre em terreno seguro, sem sequer um mínimo arranhão. E as clínicas de cirurgia plástica transbordam de mulheres e adolescentes consultando de um lado, enquanto que caminhões do Sedex entregam encomenda de próteses de silicone, bundas e panturrilhas... de outro.
   Enquanto isso, consórcios de implantes de silicones vão sendo criados, por que aqueles desprovidos de condições financeiras também amam e não estão isolados do mundo da cultura do corpo perfeito. E meninos crescem arquivando modelos de mulheres que simplesmente não existem quando eles desligam o vídeo game ou quando saem das salas de cinema. Na escola, são as meninas adolescentes que exibem os peitos precocemente como se estivessem num salão de bordel prontas para serem escolhidas. E as que não tem, abrem mão da Disneilândia e da valsa dos 15 anos em prol do sutiã 44. Mas claro! Se as dançarinas dos programas televisivos, além de serem idolatradas por milhares de meninos do Brasil inteiro, ainda recebem fortunas se divertindo, porque todo o resto deve sonhar em se esconder detrás de mesas de universidades durante nove horas por dia, ir pra casa criar filhos e ainda assistir espetáculos televisivos de corpos exuberantes enquanto seu marido sorri para a tela? Nada mal em transformar o mundo terreno no jardim do Éden, com direito a bunda sem celulites, peito que nunca cai, cerveja que não engorda e cigarros que não matam.
  Azar de quem não tiver dinheiro pra comprar seu lugar no paraíso...
4. BIBLIOGRAFIA
CASSEL, Justine. From Barbie to Mortal Kombat – Londres: MIT Press, 1998;FAGES, Jean-Baptiste. Para Compreender Lacan; FERRÈS, Joan. Televisão e Educação - Porto Alegre: Artes Médicas, 1996; FERRÈS, Joan. Televisão Subliminar – Porto Alegre: Artmed, 1998; LASH, Christopher.  O mínimo Eu  - São Paulo: Brasiliense, 1990;MORIN, Edgar. As estrelas - mito e sedução no cinema – Rio de Janeiro: José Olympio, 1989; STACEY, Jackie. Star Gazing – New York: Routledge, 1994;TURNER, Graeme. Cinema como prática Social – São Paulo: Summus, 1992;REVISTAS: Época, edição 3 de 2001 Matéria “A reconstrução do Corpo”; Set, edição de julho de 2001 Matéria “Angelina Jolie é Lara Croft”;Time, edição de julho de 2001 Matéria de Capa - Publicado 25th October 2012 por Simões-Derzett Instituto Corpo Mente.

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