O que o glitter que você passa no rosto no Carnaval tem a
ver com o oceano? Para alguns pesquisadores, tudo. As pequenas partículas brilhantes que adornam o corpo dos
foliões são feitas de plástico, material que não é biodegradável. Quando se
lava o corpo ou rosto coberto de glitter, as peças escorrem pelo ralo. Pequenas
demais para serem filtradas no sistema de tratamento de esgoto, acabam parando
em rios e mares.
O plástico é o maior poluente do oceano. E o glitter é um
"microplástico", como são chamadas as partículas desse material com
menos de 5 milímetros. Nem todas têm o tamanho que o glitter tem originalmente:
parte delas são grandes produtos de plástico que chegaram a esse tamanho depois
de sua deterioração por forças mecânicas no oceano ou radiação solar.
Fóssil descoberto em Israel mostra que Homo sapiens saiu da
África antes do que se pensava
A desconhecida cordilheira no litoral brasileiro que pode
virar a maior reserva marinha do Atlântico
O perigo das partículas de microplástico no oceano é que
podem ser ingeridas pela fauna marinha. "Pesquisas recentes dão conta de que microplásticos
perturbam o início da cadeia de alimentação aquática, como os plânctons. Também
afetam ostras e mexilhões", diz Trisia Farrelly, da Universidade de
Massey, na Nova Zelândia, especialista em ecologia urbana.
"Os microplásticos ingeridos por esses organismos podem
afetar seu crescimento e atrapalhar sua alimentação como um todo - e
consequentemente impactar toda a cadeia de alimentação." Plânctons, por
exemplo, são um alimento dos peixes, que, por sua vez, alimentam os humanos. O material base do glitter é plástico, que é tingido e
cortado em trilhões de pequenas partículas.
Não há estudos sobre o glitter nesse contexto,
especificamente, porque não é fácil identificar a origem de um microplástico.
Mas o material é contabilizado entre os microplásticos que poluem o oceano -
são entre 15 e 51 trilhões de partículas, segundo um estudo de 2015 conduzido
por pesquisadores do Imperial College London, de Londres, em parceria com
especialistas da Austrália, Nova Zelândia, Estados Unidos, Holanda, e outros países.
Para Joel Baker, diretor do Centro de Águas Urbanas da
Universidade de Washington, não se pode medir o impacto dos microplásticos no
oceano. "Não sabemos se há um problema, mas não é um absurdo ser cuidadoso
e não querer colocar coisas no meio ambiente que o degradem."
Parte dos microplásticos são os microbreads, ou grânulos,
como os presentes em pastas de dentes e esfoliantes. "É plástico feito para ter uma vida muito curta. Você
limpa seu rosto ou seus dentes, enxágua e eles vão direto para o ralo",
diz Farrelly. O uso de grânulos em produtos como esses foi proibido no Canadá,
nos Estados Unidos e no Reino Unido. A Nova Zelândia deve implementar a
proibição no primeiro semestre de 2018. No Brasil, seu uso ainda é permitido. Embora não tenha sido proibido, o glitter também entrou no
escrutínio público. Empresas no Brasil e no mundo começam a fabricar glitter
biodegradável a partir de celulose, também metalizada com uma camada de
alumínio.
"Eu gosto de coisas brilhantes. Mas com 7 bilhões de
pessoas no planeta, não podemos usar as coisas só da maneira como gostaríamos.
Precisamos pensar no impacto que causamos", diz Sherri Mason, professora
de química da Universidade do Estado de Nova York em Fredonia e especialista em
poluição de plástico em ecossistemas aquáticos. Ela observa que, embora seja uma iniciativa positiva,
"glitter biodegradável não dará conta da demanda que temos".
"Então eu insisto que temos que reduzir o uso de glitter." Para ela, governos podem tarifar mais os produtos de
plástico para embutir em seu preço o impacto no meio ambiente.
Farrelly, da Nova Zelândia, diz que "o glitter, em si,
não é o problema". "O glitter é uma parte do problema. E se está
chamando atenção para o problema maior, então ótimo."
Por causa da poluição que causam, países estão proibindo
grânulos como os encontrados em esfoliantes. Mas, como o glitter é produzido? O glitter de plástico como o conhecemos é produzido a partir
de placas de PET ou PVC que são metalizadas com alumínio e, depois, tingidas
com cores diferentes. Depois desse processo, explica o americano Joe Coburn, um
dos proprietários da fábrica de glitter RJA-Plastics GmbH, as placas de
plásticos são revestidas novamente com uma camada transparente para tentar
"segurar" sua cor e dar consistência ao alumínio.
Hexágono e outras curiosidades - "Matematicamente, o formato das partículas que causa
menos desperdício é o hexágono", diz Coburn. Por causa disso, este é
justamente o formato em que a maior parte das partículas de glitter, segundo
ele, são trituradas. "E isso também faz com que as diferentes partículas de
glitter nunca caiam no mesmo ângulo. Quando não estão uniformes, brilham mais,
porque há mais chances de receberem luz em diferentes partes." Ele também explica que há diferenças entre a durabilidade
das cores: um vermelho intenso não se mantém dessa cor ao longo do tempo tão
facilmente quanto o glitter verde claro. E o tamanho também varia: o menor tipo
de glitter já produzido pela empresa tem 0.02 mm. A fabricante empacota o glitter em grandes sacos e exporta o
produto em caixas de 25kg, tomando o cuidado de não misturar as cores. Mas, "Uma fábrica de glitter não é um país encantado. É para
ser um ambiente bem estéril", diz - o que não significa que não aconteçam
vazamentos. E por causa da forma como precisam operar a máquina, com
testes antes que seja ligada, funcionários ficam com o corpo repleto das
partículas. "É uma infestação. Fica nos seus ouvidos, nariz,
embaixo das unhas, no volante do carro. O volante do nosso carro tem uma camada
permanente de glitter", conta Coburn. "A única solução possível para
tirar todo esse glitter é ar comprimido."
Coburn conta que, uma vez, por causa da umidade, uma caixa
de 25kg cedeu, espalhando glitter por todas as partes. Coburn e seu irmão herdaram a fábrica de seu pai, morto em
2011. Seu avô tinha uma fábrica de adesivos nos Estados Unidos - "a
família sempre trabalhou com coisas brilhantes" - e duas máquinas de
glitter foram encontradas por ele e seu filho. "Meu avô pediu que meu pai as vendesse, mas meu pai
descobriu como funcionava e começou a produzir e vender", diz Coburn. Na
época, "era uma tecnologia secreta".
Em 2018, segundo ele, a empresa começará a produzir glitter
biodegradável.
Fonte: http://www.bbc.com/portuguese/brasil-42797763
Nenhum comentário:
Postar um comentário