Por Paul Ekman, PhD
Um debate pouco
conhecido de Darwin sobre compaixão, revela um lado de seu pensamento ignorado
por muitos, diferente da visão competitiva, cruel e egoísta da natureza humana
que tem sido erroneamente atribuída a uma perspectiva darwinista.
Em 1871, onze anos
antes de sua morte, o maior livro não lido de Darwin, “A Descendência do Homem
e Seleção em Relação a Sexo” foi publicado. No quarto capítulo, Darwin explicou
a origem do que ele chamou de simpatia (que hoje pode ser chamado de empatia, altruísmo e compaixão),
que descreve como os humanos e outros animais vêm em socorro de outros que
estão em perigo.
Embora ele reconheça
que tais ações fossem mais prováveis dentro do grupo familiar, ele descreveu
que a maior realização moral refere-se a preocupação com o bem-estar de todos
os seres vivos, humanos e não humanos.
Não é de se
surpreender, dado o compromisso de Darwin para a continuidade da espécie, que ele afirmaria que a preocupação com o
bem-estar dos outros não é uma característica exclusivamente humana. Ele
escreveu:
“Há vários anos, um
zelador do Jardim Zoológico me mostrou algumas feridas profundas e mal curadas
em sua nuca, causadas por um babuíno feroz, enquanto ele estava ajoelhado no
chão.
O macaquinho
americano, um grande amigo do zelador e que morava na mesma dependência, ficou extremamente assustado com o grande
babuíno. No entanto, assim que ele viu o amigo em perigo, correu para
socorrê-lo, e, entre gritos e mordidas, conseguiu distrair o babuíno para que o
homem fosse capaz de escapar, depois. . . de correr um grande risco de vida.”
De acordo com Darwin,
a probabilidade de tais ações é maior quando quem ajuda tem alguma relação com
a pessoa que necessita de ajuda. Mesmo aqueles que ele descreveu como sendo
“selvagens,” colocariam suas vidas em risco
por um membro de sua comunidade. Ele citou o “instinto materno” para explicar
por que uma mãe não hesitará em resgatar o seu
filho do perigo, mesmo quando isso signifique expor-se a essa mesma
ameaça.
Darwin reconheceu, no entanto, que alguns indivíduos ajudam
completos estranhos em perigo, e não só parentes, entes queridos ou membros de
uma mesma comunidade. Sem especificar se representavam a maioria ou,
simplesmente, uma ocorrência frequente, Darwin escreveu que “muitos dos homens
civilizados” agiriam com bravura para ajudar um estranho, mesmo que isso
implicasse em risco para suas próprias vidas.
Ele atribuiu tal
heroísmo ao mesmo motivo que “. . . levou o heroico macaquinho americano,
descrito anteriormente, a salvar o seu zelador, atacando o grande e terrível
babuíno,” o que implica que o heroísmo relacionado a estranhos não se limita
aos homens civilizados. A linha de pensamento de Darwin foi corroborada pelo
estudo contemporâneo de Monroe, sobre indivíduos excepcionais que socorrem
outros pondo em risco suas próprias vidas.
Darwin não leva em
consideração por que a compaixão para com estranhos, mesmo sob próprio risco de
vida, está presente em apenas alguns indivíduos. Existe uma predisposição
genética para tais preocupações, ou isso é apenas resultado de alguma
combinação entre a natureza e a criação? Além disso, Darwin não escreveu sobre
a possibilidade de se cultivar tal compaixão por estranhos naqueles que não a
possuem. Hoje, estes são pontos cruciais de investigação teórica e empírica.
No entanto, Darwin
oferece uma explicação da origem da compaixão. Quando a dor ou o sofrimento é
testemunhado involuntariamente, a testemunha
experimenta o sofrimento da pessoa.
De acordo com esta
linha de raciocínio, a testemunha age para diminuir o sofrimento da outra
pessoa e, dessa forma, diminuiro seu próprio sofrimento tendo como base a
empatia.
Darwin não considera
por que tais respostas empáticas não aparecem em todos os indivíduos.Seja qual for a sua
origem, Darwin propôs que a seleção natural favorece o ato da compaixão:
Evolução: a
sobrevivência do mais compassivo?. .. Por mais complexa a conduta na qual esse
sentimento possa ter sido originado, uma vez que é de grande importância para
todos aqueles animais que socorrem e defendem uns aos outros, ela terá sido
reforçada pela seleção natural; estas comunidades, que incluem o maior número
de membros mais compassivos, iriam prosperar mais e criar a maior prole.
No entanto, ao
contrário da expectativa de Darwin, não existem países conhecidos hoje ou no
passado onde a compaixão e o altruísmo em relação a estranhos são manifestados
pela maioria da população. (Mais tarde, no capítulo 2, Darwin fica mais
realista).
A razão, que deveria
ser óbvia, segundo ele, é de que as pessoas devem ser compassivas não só com
estranhos em sua própria nação, e sim estender esta preocupação a todas as
pessoas, de todas as nações e de todas as raças.
A experiência
infelizmente nos mostrou (sic) quanto tempo leva antes de olharmos para eles
como nossos semelhantes. A simpatia além das fronteiras do homem, que é a
humanidade para com os animais inferiores, parece ser uma das conquistas mais
recentes. Esta virtude (a preocupação com os animais inferiores), uma das mais
nobres das quais o homem é dotado, parece surgir acidentalmente a partir de nossas
compreensões, tornando-se mais suave e amplamente difundida, até que elas se
estendam a todos os seres sencientes.”
Durante uma série de
discussões, eu li esta última citação de Darwin, a respeito das emoções e
compaixão, ao Dalai Lama. O tradutor do Dalai Lama exclamou: “Ele usou a frase
‘todos os seres sencientes’ “? O tradutor ficou surpreso porque esta frase é a
tradução exata em Inglês da descrição tibetana e sânscrita da maior extensão de
compaixão por um Bodhisattva (um santo budista).
A preocupação com o
bem-estar de todos os seres vivos não é encontrada nas religiões abraâmicas
(Judaísmo, Cristianismo, Islamismo), que concentram-se na preocupação com todos
os seres humanos. A preocupação com os outros animais existe no hinduísmo, mas
somente de forma limitada. Dentre as principais religiões do mundo, a que
abrange a compaixão para com todos os seres vivos é exclusiva do budismo.
A impressionante semelhança entre Darwin e a
mais alta virtude moral do ponto de vista budista (todos os seres sencientes),
e as origens da compaixão (ambos atribuem a diminuição de seu próprio
sofrimento empático, e ambos observam que é mais forte em relação aos
sentimentos de uma mãe para com seu filho), levantam a possibilidade de que as
ideias de Darwin possam ter sido derivadas a partir do ponto de vista das escritas budistas.No entanto, a origem das ideias de Darwin sobre moralidade e compaixão aparecem em suas 1.838 anotações, dois anos após seu retorno da viagem do Beagle, quando Darwin tinha 29 anos de idade, cinco anos antes de ele aprender sobre budismo com seu grande amigo JD Hooker.
Ao concluir a introdução de sua edição de “”A Descendência do Homem e Seleção em Relação a Sexo”, Moore e Desmond escreveram que alguns dos contemporâneos que estudaram este livro, enfatizaram os “. . . aspectos humanos dos valores vitorianos de Darwin: dever, altruísmo e compaixão.”
Os pensamentos de
Darwin sobre a compaixão, o altruísmo e a moralidade, certamente mostram um
lado diferente das preocupações deste grande pensador, frequentemente retratado
pelos que não são familiares com suas escritas e que se concentram na famosa
frase “a sobrevivência do mais apto” (uma citação de Spencer, não de Darwin).
Mesmo alguns
cientistas desconhecem o compromisso de Darwin com a harmonia da humanidade,
suas convicções abolicionistas e seu grande interesse em princípios morais e no
bem-estar humano e animal.
Referência:
1. Darwin C. The Descent of Man, and Selection
in Relation to Sex. New York,NY: D. Appleton & Co; 1871.2. Darwin C. The Descent of Man, and Selection in Relation to Sex. In: Moore J,Desmond A, eds. New York, NY: Penguin; 2004.
3. Monroe KR. The Heart of Altruism: Perceptions of a Common Humanity. Princeton, NJ: Princeton University Press; 1996.
4. Leahy RL, Gilbert P. Compassion: Conceptualisations, Research, and Use in Psychotherapy. London, England: Brunner-Routledge; 2005.
5. Mobbs D, Yu R, Meyer M, et al. A key role for similarity in vicarious reward. Science. 2009;324(5929):900.
6. Lama D, Ekman P. Emotional Awareness. New York, NY: H. Holt; 2008:149.
7. Spencer H. Principles of Biology. London, England: Williams and Norgate; 1864.
Tradução: Angélica Nedog
Via: http://www.budavirtual.com.br/um-ensinamento-de-darwin-que-voce-nunca-aprendeu/
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