domingo, 13 de outubro de 2013

A Serpente Cósmica e o DNA




Por Rafael Beraldo

A OBRA DE JEREMY NARBY
trecho retirado do livro Ayahuasca: alucinógenos, consciência e o espírito da natureza - Ralph Metzner
Vivendo na Suíça, o antropólogo e conservacionista canadense Jeremy Narby deu recentemente uma contribuição revolucionária para a integração entre a compreensão científica da ayahuasca e o modo xamanístico deste conhecimento (Narby, 1998). Na obra The Cosmic Serpent, o autor narra como suas experiências com os xamãs da tribo Ashininca da floresta amazonica peruana levaram-no a reexaminar os fundamentos da biologia molecular, até chegar a uma hipótese que reconcilia os ensinamentos dos ayahuasqueiros com as descobertas da ciência moderna. Narby estava ciente do conflito irreconciliável entre a visão de mundo xamanística, segundo a qual pode-se obter um saber seguro e aplicável para a cura a partir das visões induzidas pela ingestão de plantas alucinógenas, e a concepção científica, para a qual as visões da ayahuasca não passam de simples alucinações causadas pelas toxinas das plantas. Não se dando por satisfeito, ele iniciou uma jornada visando uma reconciliação destas duas perspectivas aparentemente contraditórias, e decidiu levar a sério os ayahuasqueiros, movido pela convicção de que seria possível estabelecer um conhecimento medicinal válido a partir das plantas mestres. Esta decisão ganhou força por suas próprias experiências com a ayahuasca. Ele praticou o método do empirismo radical, uma vez que sua própria experiência tornou-se a base de uma busca pelo conhecimento; até porque ele nunca excluiu a experiência, temendo que ela pudesse não se encaixar nas teorias prevalecentes.
De acordo com as descobertas pessoais de Narby, e segundo ainda as narrativas aqui expostas, as visões das serpentes, algumas vezes gigantescas e outras luminosas, são extremamente comuns nas experiências com a ayahuasca.

Os ayahuasqueiros disseram a Narby que o espírito da serpente é a mãe deste preparado, além de ser a fonte do saber e da força curativa que dele advém. E por isso, são encontradas, ao longo dos trabalhos artísticos dos índios, as muitas imagens de serpentes que dançam ou se movem, em duplas ou múltiplas. Quando Narby começou a ler a volumosa literatura da biologia molecular, no intuito de encontrar algumas pistas que esclarecessem como o cérebro é afetado durante os estados alterados da consciência, ele concluiu que a molécula do DNA, na sua forma de uma dupla voluta enroscada, talvez pudesse ser a contraparte molecular para as alucinatórias serpentes da ayahuasca.
O uso das imagens das serpentes não se dá apenas entre os xamãs amazônicos, mas por quase todo o mundo. Elas são utilizadas na Ásia, no Mediterrâneo e na Austrália para efetivar a representação da força básica da vida, sobretudo porque a sabedoria da serpente é tida como a fonte do conhecimento. A imagem da serpente é vista frequentemente como um elo de ligação entre o céu e a terra; sob esta mesma visão, encontra-se também a imagem da cobra associada com diferentes ideias de ascensão. Seguindo o texto de Narby, ele nos diz que “na literatura da biologia molecular, a forma do DNA não se restringe a ser descrita através de uma analogia com duas serpentes gêmeas, uma vez que ela, é comparada mais precisamente com uma corda ou um cipó, ou mesmo com uma escada.” (p. 93).
Sabe-se que o DNA é o código molecular usado para toda a vida deste planeta, quer seja animal, vegetal, ou humana. Ele está presente em cada uma das células de todos os corpos, ou seja, em todas as plantas ou em qualquer animal, fungo, ou ser humano. A partir daí, Narby propôs a hipótese de que, por meio das visões, talvez os xamãs estejam tentando conduzir suas próprias consciências à dimensão do molecular, de maneira que possam ler a informação de como combinar os inibidores-MAO com os hormônios cerebrais, de como reconhecer as correspondências entre as plantas curativas e as doenças, e por aí afora.

Sua descrição biológica da molécula do DNA expõe com brilhantismo muitos aspectos que correspondem aos insights dos xamãs; mesmo porque, como eles mesmos dizem, a origem de tais insights está nas suas visões das serpentes e na sua mitologia das serpentes cósmicas.


Se alguém esticasse o DNA contido no núcleo de uma célula humana, seriam obtidos somente dez átomos ao largo de 1.80m de fio… O núcleo de uma célula é, portanto, equivalente em volume a dois milionésimos de uma cabeça de alfinete. E assim 1.80m de do DNA acondiciona com rapidez todo o seu volume através do gesto de enroscar-se incessantemente sobre si mesmo, harmonizando assim o comprimento extremo e a pequenez infinitesimal, exatamente como procedem as serpentes míticas. Segundo as estimativas, o ser humano comum é composto de muitos bilhões de células. O que significa dizer que há mais 201 bilhões de DNA no corpo humano…
O DNA de uma pessoa é tão longo que poderia rodear a Terra cinco milhões de vezes; isto é análogo ao que se diz a respeito das serpentes que rodeiam o mundo! (pp. 87~88).
Afora isso, o código molecular do DNA tem se mantido inalterado desde o início da vida deste planeta, pois somente a arrumação das “letras” deste código é que vai mudando conforme a evolução das diferentes espécies. “Tal como as serpentes míticas, o DNA se apresenta como o mestre da transformação. Todas as informações que existem nas células do DNA são feitas do ar que respiramos, da paisagem que vemos, e da vasta diversidade de seres vivos dos quais fazemos parte.” (p. 92). Narby chega a dizer que a serpente dupla do DNA é que constitui de fato a fonte do conhecimento, quer seja adquirido por meio da ayahuasca ou de outras técnicas que levem a estados alterados da consciência, tais como a batucada, o jejum, o isolamento, ou os sonhos. E ainda diz que a tão propalada luminosidade que ocorre nas visões xamanísticas deveria ser posta em relação ao fato de que a molécula do DNA emite biofótons, justamente porque a luz molecular só emerge com a redução da iluminação externa. Enfim, mesmo que a hipótese de Narby não ofereça nenhum dado novo, ou provas substanciais, ela possui implicações revolucionárias que reconciliam os pontos de vista diametralmente opostos da ciência e do xamanismo.

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