Ao longo da vida desenvolvemos hábitos. Alguns bons, outros nem
tanto. Muitos péssimos, infelizmente. Somos apenas crianças crescidas. Nossos medos e angústias, a tal síndrome do
abandono – para alguns adultos – podem se prolongar, muitas vezes, por toda a
vida.
Muitas pessoas perpetuam isso sem se dar conta, obviamente. Outras, mesmo se
dando, não conseguem emudecer seus anseios e como que, por compulsão ou
impulsividade, apenas trocam de angústia. Tentam suprir materialmente uma carência emocional de algo deficiente que não
se pode ou se sabe resolver de modo prático porque a resolução nem sempre está
ao alcance das mãos. Seja por que requer ajuda profissional especializada ou
por que de quem poderia partir a ajuda, nem sempre está disponível ou à
disposição para tal.
O fato é que essas pessoas passam a ser compradoras (es) ou acumuladoras (es)
compulsivos. Quem de nós nunca foi ao shopping derrotar uma tristeza e saiu de
mãos cheias? Quem de nós nunca trocou um choro contido por um lindo par de sapatos? Se não aconteceu com você diretamente, é bem provável ou certo que com alguém
bem perto, que se encaixa nessa fala.
Tem gente que não se contenta em ter o presente, precisa preservar todo o
ritual que o acompanhou, como se quisesse eternizar o momento. Com isso, guarda
desde o selo da florzinha que fechou o pacote até a sacola da loja. Fica tudo ali entulhando a vida e dando uma certa sensação de conforto, de
história, de enredo emocional. Tudo ali compondo os silêncios e causando
sofrimento, pois, quer queira, quer não, a pessoa sabe que há algo de errado
nesse hábito. Em alguns casos, a casa fica toda tomada de intermináveis
"lembranças", decantando uma angústia pela ausência de ordem, de casa
regada a progresso e progredir requer abandonar o velho e se despir para se
vestir do novo.
Por uma questão de preferência e competência, estou me estreitando apenas nas
questões de ordem doméstica, haja vista que, como todos sabem, há outras
compulsões, como álcool, jogo, drogas e afins, que servem para compor conflitos
e silêncios internos, mas sobre as quais não estou habilitada a falar, pois, na
minha ótica, requerem informações psicanalíticas que não possuo, a não ser
quando me coloco na posição de analisada; mesmo assim, com a parcimônia que
devo a quem me lê e pelo respeito que merece, pois não posso abordar um tema
sério como esse sem a devida profundidade.
A vida merece amor correspondido, casa cheirosa, cama acolhedora, armários
cheirando a novas possibilidades, sem mofo por dentro e por fora. A comida abençoada merece o prato sem lasca, o talher não torto, a toalha
renovada.
Eu não estou propondo uma vida sem lembranças. Proponho lembranças internas, bem conduzidas. Gosta daquela roupinha com a qual
o bebê saiu da maternidade? Emoldure. Mande para uma lavanderia e, após, para
uma vidraçaria. Fica lindo e faz sentido. Está apegada àquelas fotos centenárias? Separe tudo e peça a alguém que as
organize num álbum, recheadas de organização e afeto. E aquela roupa do enxoval
de quando você tinha 20 anos? Ficou com um relacionamento mal resolvido? Marque um encontro. Chame a pessoa
às falas. Derrame-se. Esbraveje. Desafogue-se. Desengasgue-se. Nem sempre é
fácil. Mas tente! Olho no olho ainda é uma excelente terapia.
Bem, acho que, se sua relação afetiva merecer, você pode trocá-la por outras novas com cheiro de amor reflorestado.
Bem, acho que, se sua relação afetiva merecer, você pode trocá-la por outras novas com cheiro de amor reflorestado.
Veja: não é guardando, comprando, entulhando a casa, que sua afetividade estará
preservada. É se autopreservando de não ser refém de antiguidades que lhe fazem
bem e mal, num dilema que ocupa a sua casa, a sua vida e a sua alma.
... Excesso, só de afetos.
Cláudia Dornelles
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