Arreda homem que aí vem Mulher…
Esse pequeno trecho do ponto que tão comumente é cantado nos terreiros é um dos mais significativos e expressivos quando penso em Bombo gira (ou Encantadas). Em tempos atuais diríamos que Elas são natas no empoderamento. Porém, todos já ouvimos e lemos muitos textos sobre Exu e suas qualidades tão ativas e duais, no entanto, pouco falamos de Bombo gira e pior, quase sempre quando ouvimos falar dessas Entidades de Luz a referência é com a prostituição, desejo, sexo, amarração, separação ou ainda, com a desgraça emocional e familiar. Penso que seria muito interessante e importante para todos se, quando pensássemos em Bombo gira, pensássemos no arquétipo Mulher, afinal, além dela ser pura expressão do feminino ela também atua e ativa a pura essência do feminino, seja nos homens ou nas mulheres.
Falando sobre o arquétipo feminino, que é fundamental em todas as religiões historicamente firmadas, entende-se por arquétipos as tendências estruturais invisíveis dos símbolos e que criam imagens especificas. Já o sentido “Mulher” refere-se ao principio feminino que está ligado a sensibilidade, a criatividade, a lua, ao ciclo, a capacidade de viver o tempo com ritmo diferente, de receber, de acolher, de enfeitar, de proteger, de lutar pelo bem amado e a capacidade de se transformar em onça, leoa e materna. Esse princípio ainda estimula nos seres humanos o lado espiritual e a busca pelo encontro do sentido religioso, fato constatado quando percebemos a quantidade de mulheres nas instituições religiosas. Além disso, não podemos deixar de refletir sobre o contexto de liberdade, de comunidade e de força de expressão que os espaços religiosos permitem. Nesse sentido Nancy Cardoso Pereira em seu livro: Malditas, Gozosas e Devotas - Mulher e Religião (1996), afirma: “É no campo das expressões religiosas que as mulheres encontram espaços para a resistência e sobrevivência”.
Nessa linha de raciocínio, conseguimos afirmar o quanto as Bombo giras são importantes, e fundamentais para nós e para a própria estrutura da Umbanda. Elas mexem com nossas emoções, elas geram em nós todos esses princípios femininos e ainda quebram o paradigma patriarcal instituído em nossa sociedade por alguns povos e religiões milenares como o judaísmo e o catolicismo.
O medo, o desconforto, a maledicência sobre as Bombo giras deve-se pelo fato de elas atuarem nas partes ocultas e nas questões oprimidas da mulher, a exemplo, temos o desejo que ainda é um grande tabu para a maioria das pessoas, principalmente para os homens e para os mais tradicionalistas. Para muitos, “Ter Desejo” é proibido e o fato é que as Bombo giras moram na casa dos desejos, entenda desejo tudo aquilo que realmente desejamos. Assim, Elas estão ligadas ao belo, ao que seduz e àquela que se apaixona, ao mesmo tempo remete ao que se deve ser evitado.
A própria figura da Bombo gira assume toda a sensualidade subversiva e agressiva da sexualidade feminina, em contraste com a ideia do feminino passivo e submisso tão enfatizado por algumas tradições, fato refletido nas suas imagens, onde na maioria das vezes são representadas por mulheres semi-nuas, enquanto as imagens das santas católicas estão sempre bem cobertas (vestidas) e com semblante amenizador.
Elas são referência como propiciadora de abertura de caminhos, da renovação, da vida e da liberdade. E na sua condição de libertina, ou de quem é livre para ir e vir, fala o que pensa e o que quer, ela se comanda. É estímulo, alegria, beleza, poder e movimento, o qual alimenta seu ‘cavalo’ e seus adoradores. E se manifestam, tanto na lavadeira como na advogada - condições sociais para Elas não é importante; manifestam-se em mulheres fora dos padrões de beleza ditados pela sociedade e ainda assim exercem sobre os homens um estimulante fascínio e sobre as mulheres a auto-estima; manifestam-se nos Terreiros e rompem com quaisquer diferenças, pois são “apenas” Bombo giras.
A Bombo gira está relacionada a tudo que é feminino, adora jóias, perfumes, batom, ouro, rosas, principalmente as vermelhas por ser a cor da paixão, do calor, do fogo; e mais, de cigarrilha e champanhe, pois traduz estímulo e alegria.
Como princípio feminino é considerada por muitos um “exu feminino”, mesmo porque na África, local de origem dos Orixás, na tradição banto, o nome Exu é Bongbogirá, o que nos leva a deduzir que o termo usual: Pombagira é uma corruptela de Bongbogirá. E como princípio feminino atua de forma muito diferente do princípio masculino Exu.
Abaixo vejo um trecho de um conhecido ponto (canto) à Elas dedicado:
"....Ela mexe com aquilo que Exu não consegue mexer.
Ela transforma aquilo que o vigor masculino de Exu não modifica.
Ela cria aquilo que o mando de Exu não consegue estabelecer.
Ela fala aquilo que Exu não consegue dizer.
Ela dá aquilo que todos querem, mas que ninguém é dono.
Ela faz sorrir de uma forma que homem nenhum entende.
Ela faz viver aquela mulher que toda mulher quer ser e que todo o homem quer ter.
Ela é Pombagira e é melhor arredar o pé, homem,
pois aí vem Mulher…"
Fonte: Internet
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