quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

Taça de Chá




   O luar desmaiava mais ainda uma máscara caída nas esteiras bordadas. E os bambus ao vento e os crisântemos nos jardins e as garças no tanque gemiam com ele a adivinharem-lhe o fim. Em roda tombavam-se adormecidos os ídolos coloridos e os dragões alados. E a gueixa, porcelana transparente como a casca de um ovo da Íbis, enrodilhou-se num labirinto que nem os dragões dos deuses em dias de lágrimas. E os seus olhos rasgados, pérolas de Nanguim a desmaiar-se em água confundiam-se cintilantes no luzidio das porcelanas.

   Ele, num gesto último fechou-lhe os lábios co'as pontas dos dedos, e disse a finar-se:  -Chorar não é remédio; só te peço que não me atraiçoes enquanto o meu corpo for quente. Deixou a cabeça nas esteiras e ficou. E Ela, num grito de garça, ergueu alto os braços a pedir o Céu para Ele, e a saltitar foi pelos jardins a sacudir as mãos, que todos os que passavam olharam para Ela.
 
   Pela manhã vinham os vizinhos em bicos dos pés espreitar por entre os bambus, e todos viram acocorada a gueixa abanando o morto com um leque de marfim.

 Almada Negreiros  
(Texto de 1915, publicado no n.°1 - Revista Orfeu)

 

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