domingo, 18 de janeiro de 2015

Erótica é a Alma



Por Fabíola Simões

   Certa vez, Adélia Prado escreveu: "Erótica é a alma". Além de poética, a frase é redentora, pois alivia o peso da sensualidade a qualquer custo, a busca desenfreada pela juventude perdida, a corrida pelos últimos lançamentos da indústria cosmética. E nos autoriza a cuidar mais da alma, a viajar pro interior, a descobrir o que nos completa. Pois se os olhos são as janelas da alma, de que adianta levantar pálpebras se descortinam um olhar de súplica?

   Erótica é a alma que se diverte, que se perdoa, que ri de si mesma e faz as pazes com sua história. Que usa a espontaneidade pra ser sensual, que se despe de preconceitos, intolerâncias, desafetos. Erótica é a alma que aceita a passagem do tempo com leveza e conserva o bom humor apesar dos vincos em torno dos olhos e o código de barras acima dos lábios; erótica é a alma que não esconde seus defeitos, que não se culpa pela passagem do tempo. Erótica é a alma que aceita suas dores, atravessa seu deserto e ama sem pudores. Porque não adianta sex shop sem sex appeal; bisturi por fora sem plástica por dentro; lifting, botox, laser e preenchimento facial sem cuidado com aquilo que pensa, processa e fala; retoque de raiz sem reforma de pensamento; striptease sem ousadia ou espontaneidade. Querendo ou não, iremos todos envelhecer_faz parte da vida. As pernas irão pesar, a coluna doer, o colesterol aumentar. A imagem no espelho irá se alterar gradativamente e perderemos estatura, lábios e cabelos. A boa notícia é que a alma pode permanecer com o humor dos dez, o viço dos vinte e o erotismo dos trinta anos, se você permitir.

   O segredo não é reformar por fora. É, acima de tudo, renovar a mobília interior - tirar o pó, dar brilho, trocar o estofado, abrir as janelas, arejar o ambiente. Porque o tempo, invariavelmente, irá corroer o exterior. E quando ocorrer, o alicerce precisa estar forte pra suportar. Não tem problema cuidar do corpo. É primordial ter saúde e faz bem dar um agrado à auto estima. O perigo é ficar refém do espelho, obcecado pelo bisturi, viciado em reduzir, esticar, acrescentar, modelar - até plástica íntima andam fazendo! Aprenda: Bisturi algum vai dar conta do buraco de uma alma negligenciada anos a fio.

   Vivemos a 'era das emergências'. De repente tudo tem conserto, tudo se resolve num piscar de olhos; há varinha de condão e tarja preta pra sanar dores do corpo, alma e coração. Como canta Nando Reis, 'O mundo está ao contrário e ninguém reparou...' Desaprendemos a valorizar aquilo que é importante, o que é eterno, o que tem vocação de eternidade. E de tanto lustrar a carapaça, vivemos a 'Síndrome da Maça do Amor' - brilhantes por fora e podres por dentro.

   O tempo tornou-se escasso, acreditamos que 'perdemos tempo' quando lemos um livro inteiro, quando passamos horas com nossos filhos, quando oramos ou viajamos com a família. E nos iludimos achando que poderemos 'segurar o tempo' cuidando da flacidez, esticando a pele, preenchendo espaços...

  Cuide do interior. Erotize a alma. Enriqueça seu tempo com uma nova receita culinária, boas conversas, um curso de canto ou dança. Leia, medite, cultive um jardim. Sinta o Sol no rosto e por um instante não se preocupe com o envelhecimento cutâneo. Alongue-se, experimente o prazer que seu corpo ainda pode lhe proporcionar. Não se ressinta das novas dores, da pouca agilidade, dos novos vincos. Descubra enfim que a alegria pode rejuvenescer mais que o botox.

   E não se esqueça: em vez de se concentrar no lustre da maçã, trate de aproveitar o sabor que ela ainda é capaz de proporcionar... A soma de todos os afetos.

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